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sexta-feira, janeiro 19, 2007

A DESPROPÓSITO DO ABORTO

O jornal «Notícias de Castro Daire», de 10 de Janeiro, 20007, pela pena do seu Director, advogado ilustre daquela praça, apresentou, com destaque desusado, um texto que nos deixou surpreendidos. Por três razões: (1) pela deficiência científica, que se compreende, pois, nem a sua profissão, nem, provavelmente, o tempo lhe permitem debruçar-se, pessoalmente, sobre estes temas; (2) total desfasamento
teológico, absolutamente, justificado; (3) análise jurídica desorientada, aplicada a uma reflexão acerca do referendo de 11 de Fevereiro, p. f., para despenalizar a interrupção voluntária da gravidez não desejada, dentro das primeiras dez semanas de gestação
Que o autor tome, livremente, a opção de votar “não” , porque entende, em consciência, de cidadão e católico, é um direito indiscutível e respeitável, como o nosso de votar “sim”.
Agora, mantendo, sempre, o indefectível respeito, pessoal e profissional do ilustre Autor, não podemos deixar de contestar a sua argumentação, inclusive, na sua especialidade. E por esta começaremos.
Alega o Autor que Código Civil (CC) estaria do lado da “vida humana” intra-uterina, que é essa a perspectiva em que se coloca, quando invoca a Constituição da República Portuguesa.
Os artigos do CC referentes aos nascituros regulamentam e integram o Direito das obrigações, e dos contratos especiais - doação e capacidade de dar e receber doações (artº 952º); no Direito da Família - Reconhecimento de paternidade, perfilhação de nascituro (artº 1855º, não 1885º); Direitos de sucessão, capacidade sucessória (artº 2033º, e não 2003º). Finalmente, a sucessão testamentária, a administração da herança do nascituro não concebido de pessoa viva a quem compete a administração (artº 2240º).
Como fica bem assente do texto dos artigos citados, os referidos comandos aplicam-se tanto aos nascituros concebidos como aos nascituros ainda não concebido, excepto no caso da perfilhação, que supõe, sempre a efectivação da concepção e isto, por natureza: não se pode ser pai, sem ter feito o filho. Só este facto irradia o direito de obrigações de nascituros, para fora da problemática da genética, da antropologia, da teologia e da filosofia, que envolve o complexo campo do estudo e discussão, em ordem ao próximo referendo. Mas, há mais. Em todos os artigos citados pelo ilustre Autor se exige a presença de pessoa determinada e viva, como sustém das obrigações estabelecidas, não se atribuindo ao nascituro qualquer autonomia jurídica. Porém, se, por hipótese, se pretendesse levantar qualquer dúvida, aí, temos o CC a desfazê-la, definitivamente. Com efeito, o artigo 66º, que. por ventura, passou desapercebido, diz o seguinte: «Começo da personalidade) 1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida. 2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento». (O sublinhado é nosso)..
A Ciência não se exprime em dogmas, mas em conclusões provisórias e operatórias, sempre abertas. A Biologia afirma que o zigoto contém o ADN. Contudo, a natureza e desenvolvimento do código genético continua em estudo. Afirma mais. O ser humano na progressiva e lenta formação, para além do ADN, conta com os elementos do seu meio ambiente, o ventre materno, cuja identificação e quantificação é, ainda indeterminada.
Não podemos nestas notas ir além de princípios gerais. Citaremos obras e autores científicos, de créditos firmados.
Estamos a falar da vida humana; do seu valor, dos seus direitos, E, porque não das suas limitações? Estamos entre criaturas, não entre deuses. Não somos Deus. Reparemos nisto: «Quem ama a sua vida (psikè), perdê-la-á; quem despreza a sua vida (psikè), neste mundo, guardá-la-á para a vida (zoè) eterna). Quem fala, assim, é Jesus pela boca do seu evangelista, João 12, 25, Até na língua somos pobres. Os Gregos tinham três palavras para exprimir os conceitos de vida: bios, psikè e zoè. João escreveu em grego. Vida física (bios), vida racional (psikè) e vida eterna (zoè); só esta é absoluta, imortal. A bios e a psikè podem morrer ou ter de morrer, para ganhar a zoè; esta nunca morre, é imortal. Falem os mártires e o próprio Jesus.
\No complexo problema de genética humana, estão em jogo muitas vidas (psikè): uma esperança de vida, no espermatozóide e no óvulo, no zigoto, no pré-embrião, no embrião, no feto, no recém-nascido; a vida da mãe, do pai, de eventuais irmãos. A vida humana de todos, até a vida do ser que vier a sair do ventre da mulher, para viver como independente. Todos em direcção à vida eterna (zoè). Todas estas vidas são interdependentes, solidárias, possivelmente, mártires. Só a “zoè” é a vida eterna, porque é a vida de Deus.
Do espermatozóide a do óvulo, ao zigoto, pré-embrião e embrião não temos mais que um pequeno aglomerado de células vivas e humanas, toti-potentes, que podem vir a ser um ser humano. Mas como «a posse ad esse non valet illatio» ( de poder ser, a ser, não há ligação possível). Tudo pode acontecer. Passaram catorze dias, desde o momento incerto da concepção, da singamia. Segue-se a implantação no útero. Nessa altura, ainda nem sequer se pode garantir a existência de um indivíduo, idêntico e diferente; na verdade pode ainda haver divisão desse pequeno aglomerado de células em dois indivíduos, idênticos e diferentes, um a um: dois indivíduos, o princípio de dois irmãos gémeos. Não haverá nunca uma pessoa sem indivíduo; mas podem haver indivíduos sem pessoa. E é que acontece, agora.
Entretanto, tem começado a desenhar-se o corpo humano, até que, por volta da duodécima semana de gestação o desenho ficará, essencialmente, completo, coroado com a rosa do córtex cerebral.
Chamemos-lhe, daqui em diante, feto humano. Para ser um ser humano, falta-lhe outro tanto do que tem. Falta-lhe que o Criador lhe infunda a alma racional e imortal, por Ele, directamente, criada, quando o corpo atingiu a perfeição adequada, para a poder receber. Duas partes substanciais: uma corporal, criada por dois seres humanos, e outra racional e espiritual, criada por Deus.
Confirme, por favor, em «Bioética», 1996, Dr M. Patrão Neves, cap. 6, ed. S. Paulo, Lisboa, coordenação de Luís Archer, S. J. «Se o ser humano se desenvolve numa dimensão psico-física, já a constituição da pessoa exige uma dimensão espiritual. Entendo por pessoa todo o ser humano capaz de consciência de si… Entre as oito e as doze semanas de gestação, a integração do sistema nervoso atinge um nível de desenvolvimento apreciável» (pp 176 e 178).
Estudemos, para saber. Pr René Frydman é genicólogo dos Hospitais de Paris e é o pai do primeiro “bebé-proveta”, francês, a Amendine, Tem renome internacional pelos seus estudos acerca da reprodução, medicamente, assistida (RMA). «Dieu, la Médecine et l’Embryon», ed. Odile Jacob, nouvelle édition, 1999.
Cita France Quéré, 1991: «Antes, o homem era visto na sua força e autonomia e não nestes nadas da sua génese… Construiu-se um humanismo à medida do Apolo de Belvédère e sobre o “cogito ergo sum” (penso logo existo) de Descartes. Mas o humanismo pode, também, erguer-se, a partir do corpo de dor e reflorir à luz duma visão ética… Hoje, perante os progressos atingidos pela Biologia, a filosofia descobre nova dimensão na pessoa que começa, potencialmente, muito antes da consciência de si…» . Dizemos nós: o filho começa no coração dos pais, quando eles programam, no seu amor, a futura geração e nascimento; quando, entra na trama maravilhosa do projecto parental, onde se desenham, desde logo, a protecção das sua debilidades, das suas indefinições, do seu palpitar, e os braços que o vão receber no dia do seu nascimento. «Este embrião é sagrado; mas meia dúzia de blastómeros» detestados nunca desejados pelo homem e pela mulher que lhes deram origem, sem pensar, sem querer sem se aperceber, com rejeição prévia consciente, «sem desejo parental, não constituem um projecto de vida humana. São dignos de algum respeito, por aquilo que poderiam vir a ser, se tivessem sido amados por aquele desejo» (p. 77)
«Após a implantação no útero, as células começam a diferenciar-se. Mas, até ao décimo quarto dia o embrião pode dividir-se e dar origem a dois indivíduos (gémeos) (p. 225).
Fica bem deixarmos aqui o testemunho de Carlos Domingues Morano, jesuíta, psico-terapeuta, professor de Psicologia da Religião, na Faculdade de Teologia de Granada (Espanha). «… o desejo apresenta-se como a mãe da fé. Não só, porque o desejo esteve presente, duma forma ou de outra, na nossa concepção e vinda ao mundo. Mas também e de forma mais importante ainda, porque o desejo, no sua amplitude, mantém-se, ao longo de todas as transformações da procriação, esteve ali, para nos acolher, na hora da nossa vinda à luz e receber-nos nos braços que iriam configurar, de forma fundamental, a nossa relação com a vida e o mundo» (p. 203); «Experiência Cristiana y Psicoanálisis», ed. Sal Terrae, Santander, 2006.
«A partir de quando, ou mais precisamente, em que fase da gestação, faz Deus a sua aliança com este ser da espécie humana?... A partir de quando ele se converte num ser formado à imagem de Deus. Sabemos que o Magistério católico se tem recusado a dirimir o debate entre os que defendem a coincidência entre animação e concepção (criacionistas) e os que defendem a animação adiada (teólogos e epigenistas. «Les Religions, la Médecine et l’Origine de la Vie», Michel Meslin, Alain Proust, Ysé Tardan-Masquelier, ed. Odile Jacob, 2001 (p. 58).
Todo o aborto é interrupção duma gravidez ; mas nem sempre a interrupção da gravidez é um aborto. Eliminar espermatozóides e óvulos, é eliminar vida humana e não é um aborto
Neste quadro científico entra, harmoniosamente, a pincelada teológica. Ora. Vejamos, então.
São Gregório de Niza (329-390.e.c.), diz : « Não se pode chamar homem ao embrião, dado o seu estado imperfeito; na verdade, nesse estado não passa de uma coisa virtual que, após o devido aperfeiçoamento, poderá atingir a existência de homem; porém, enquanto se encontra nesse estado de inacabado, é qualquer outra coisa» (Contra Macedónios).
Santo Agostinho(354-430, e.c.) , Quanto às obras de Agostinho … « se alguém ousar discutir o respectivo texto ou um só til e não as receber na totalidade, com veneração, seja excomungado» (papa São Gelásio I (492-496, e.c.); pois este Santo Agostinho defendia, seguindo Aristóteles, a formação do ser humana entre os quarente e oitenta dias de gestação, a chamada “animação diferida”.
São Tomás de Aquino (1225-1274), «o príncipe angélico das escolas e doutor da Igreja (papa Bento XIV (1740-1758), adoptou a doutrina de Santo Agostinho, que, em 1914 o papa São Pio X, aprovou, nestes termos: « Tese 13: A forma substancial dos viventes, chamada alma, requer certa disposição orgânica, ou seja, partes heterogénias, para que haja, no mesmo sujeito, uma parte essencialmente movente outra movida. Tese 15: A alma humana subsiste por si mesma, é criada por Deus e infundida no corpo, desde o momento, em que está suficientemente preparado… Tese 16: A alma humana une-se, de tal modo, ao corpo que, por ela, tem o homem o ser de homem, de animal e de vivente» (Denz. 3613, 3615, 3616).
O Magistério da Igreja não está em oposição a esta doutrina, embora alguns, mais “papistas” que o Papa, intentem fazê-lo crer.
Esta síntese, necessariamente, incompleta dá para entender que aborto é a expulsão de um ser humano. Que um ser humana é constituído por duas partes substanciais: o corpo e a alma. Que a alma, segundo a opinião dos grandes teólogos da Tradição é criada e infundida por Deus, quando o corpo está preparado para a receber. O corpo está preparado, depois de quarenta (feminino)-oitenta (masculino) dias de gestação. Tradição e ciência estão, essencialmente, de acordo. Logo, só haverá aborto, propriamente dito, a partir de cerca das doze semanas de gestação, se estiverem presentes as demais condições científicas, psíquicas, etc.
Isto não quer dizer que nesse lapso de tempo essa vida humana, sempre relativa, no seu contexto vital e social, não deva ser respeitada, por se tratar da matéria (matéria prima), donde pode vir a surgir um ser humano. Tal como o pão e o vinho ao lado do altar, são dignos de ser tratados com respeito, pelo fim a que destinam : ao corpo e sangue de Jesus. Mas não comete sacrilégio quem, desleixadamente, trata com menos respeito a matéria do Sacramento.
Quem votar não, vão, infelizmente, impedir o aborto, vai votar a favor do castigo da abortiva, o que se não conforma com o Evangelho (João 8, 3-11), e, mais trágico, ainda, vão fomentar o infanticídio das mulheres que, por medo ou por pobreza, aguardam a hora do parto, para, sem perigo, se desfazerem do feto, cujo cadáver deitarão no lixo ou na sarjeta
Como vemos, quem quiser ver, só esses é que verão, não é tão líquida, como pretendem. a bondade do «não».

19.01.2007
Augusto Montemuro
manaucopin@gmail,com
Telem. 936396224

segunda-feira, janeiro 08, 2007

RAZÕES PARA VOTAR SIM

No dia 11 de Fevereiro, próximo, as cidadãs e os cidadãos portugueses são chamados para votarem, num referendo, acerca do alargamento dos casos da interrupção da gravidez não punível, acrescentando uma alínea ao número 1. do artigo 142º do Código Penal.(«Interrupção da gravidez não punível»): “Quando a interrupção da gravidez tem lugar, livremente, antes das primeiras dez semanas da gestação, podendo a mulher, neste caso recorrer, a acção médica, em estabelecimentos do Estado, ou outros, à sua escolha”.
Sublinhe-se que o referido Artº do C.P., não fala do aborto que foi tratado nos artigos 140º e 141º.
Só este facto nos põe na pista da correcta formulação da pergunta, de resto, aprovada pelo Tribunal Constitucional.
Para além desta orientadora perspectiva de carácter jurídico, há outras razões, bem mais profundas de carácter biológico, filosófico, antropológico, teológico e ético, a fim de justificar os termos escolhidos para formular a pergunta e provocar a adesão positiva das cidadãs e dos cidadãos portugueses, votando SIM, no referendo de 11 de Fevereiro.
Não precisam os defensores do SIM, de inventar fantasmas por detrás da formulação da pergunta, pois, como vimos, são os termos legais em vigor.
Este alargamento nada tem a ver com o aborto. Nem o impede, nem o facilita. Tem a ver, com a legítima protecção da mulher, que se vê constrangida, quantas vezes, por pressões intransponíveis, de toda ordem, a interromper uma gravidez, que, provavelmente, nunca planeou, nunca desejou, nunca quis e em que nunca pensou, nem durante o acto que lhe deu origem.
A pergunta não fala, nem podia falar de aborto, como gostariam os defensores do NÂO, e tanto, que o metem lá à machadada, pela simples razão de que, até às dez semanas de gestação, não pode haver aborto, pela simples razão, de que, até essa data, não existe no ventre da mulher um ser humano. Porque há ali um zigoto, um pré-embrião e um embrião (fases sucessivas do desenvolvimento), que são vida humana, como vida humana são todas as células do nosso corpo, os espermatozóides, os óvulos, etc., que, normalmente, podem vir a transformar-se num ser humano, nunca antes de atingirem o desenvolvimento orgânico adequado, que terá lugar com a formação do córtex cerebral, por altura das dez-doze semanas de gestação, para que Deus (segundo a nossa fé cristã) possa infundir, no corpo assim formado, a alma racional e espiritual, constituindo-se, assim, com a fusão destes dois elementos substanciais, o ser humano, ou o feto humano, a partir deste momento.
O desenvolvimento da síntese apresentada levar-nos-ia longe. Sublinharemos, apenas, dois pontos que englobam as razões científicas biológicas, filosóficas e teológicas, que a justificam e fundamentam, à saciedade.
Para os factos biológicos desta síntese, são necessários e bastantes dois notáveis livros, que recolhem os saberes de ilustres ginecologistas e médicos franceses: «Deus, a Medicina e o Embrião», René Frydman, nova edição, 1999, Ed. Odile Jacob, Paris; e «As Religiões, A Medicina e a Origem da Vida», Michel Meslin, Alain Proust, Ysé Tardan-Masquelier, Ed. Odile Jacob, Paris, 2001. Leitura que, por honestidae, seria muito útil a alguns promotores do NÂO.
Visto muitos de nós nos reclamarmos de cristãos e de católicos, não, por certo, «mais papistas do que o papa», pelo menos alguns, vamos respigar alguns argumentos ao nosso campo.
E comecemos por uma passagem do Evangelho, segundo João 12, 25: «Quem ama sua vida (psikè), a perde, e quem odeia a sua vida (psikè) neste mundo, guardá-la-á para a vida (zoè) eterna» (tradução da Bíblia de Jerusalém e e do Nuevo Testamento, Trilingue, BAC, Madrid, 1994). Como se vê, pelo texto e se sabe, os Gregos tinham três palavras para o conceito “vida”: «bios», vida física, «psikè», vida sensível e «zoè», vida racional (para nós cristãos) eterna. Bios e psikè, vida do embrião, mortal; zoè, vida do ser humano, imortal, eterna, vida que não morre, corrente contínua da vida.
Passemos, agora, para as razões filosóficas e teológicas para votar SIM.
Nem a Escritura, de que se faz uso para defender teses contrárias, nem a Tradição tem a unanimidade requerida, a favor de qualquer tese.
Na verdade, e como primeiro facto teológico relevante, temos que, durante mil e novecentos anos, a tradição católica se debateu entre duas posições, a saber: o grupo dos que defendiam a infusão da alma no primeiro momento da concepção, sem nunca se definir o que se entendia por concepção humana; e o grupo daqueles que defendiam que a alma só era criada por Deus e por Ele unida ao feto humano, quando este atingisse estrutura orgânica adequada à operacionalidade da alma, sendo, assim, adiada a infusão da alma, por um lapso de tempo, calculado em 40-80 dias de gestação; «animação» do feto imediata, para a primeira posição; e «diferida», para a segunda Até hoje, o Magistério romano ainda não tomou posição clara por nenhum destes grupos, sem dúvida, porque os dois têm representantes de grande autoridade.
A tese actual defendida pelo Magistério fundamenta-se no facto biológico do ADN, o código genético que vai acompanhar, desde o zigoto, o desenvolvimento do embrião e do feto, até à formação do ser humano. E esquece-se outro facto científico que é este: toda a pessoa é um indivíduo; mas nem todo o indivíduo é pessoa. Juntando a estes factos um terceiro, a saber: no momento implantatório do embrião, as sua células mantêm a sua qualidade de toti-potentes, o que quer dizer que ainda se podem dividir, dando origem a outro indivíduo (gémeo); o que prova, que não havia nele um indivíduo, condição nenessária para o caminho da pessoa, e, nesta altura, não estamos, no momento da concepção, mas no décimo quarto dia de gestação.
Porém, quanto a este fundamento quatro objecções sérias se levantam; o ADN, sua natureza e acção é, apenas, um facto científico; e, como tal, provisório, de investigação aberta; não é um dogma; por outro lado, também é um facto biológico a epigénese, que introduz na evolução do embrião a influência, ainda não qualificada, nem quantificada, do contexto vital em que se desenvolve, isto é, do sei materno; outro facto biológico, este bem recente e complicado, é a poliembriologia, ou seja, a proliferação de embriões, ocorrida no acto da concepção, acabando por ser expulsos, naturalmente, (ou artificialmente?) Que devemos pensar deste desperdício de almas? Finalmente, poderá esta posição do Magistério sobreviver ao biologismo materialista de base, da que se pretende doutrina católica, na formação do ser humano?
Para uma avaliação teológica, em profundidade, remetemo-nos para as duas obras referidas acima, acrescentando, a exaustiva exposição, acerca do assunto, da teóloga católica, Uta Ranke-Heinemann, no seu livro «Eunucos pelo Reino dos Céus», cap. 26, Ed. Trotta, Madrid, 1994, e Experiência Cristiana y Psicanálisis» do jesuíta Carlos D. Morano, Ed. Sal Terrae, 2006, Cantábria, especialmente pag. 203.
A lei actual, não estará a afastar a mulher da interrupção da gravidez na fase da pre-humanização, com medo de ser apanhada nas suas malhas, e esperar pela hora do parto, para abandonar o recém-nascido num caixote do lixo, como sucede a cada passo?
Ocorre-nos perguntar, à luz da História, se o Magistério não estará, aqui, a repetir o caso «Galileu», de que já pediu perdão à Humanidade.
Desejaríamos que as pessoas estivessem atentas à esquizofrenia que está por trás de fotografias de fetos que dizem ser humanos, sem identificação de idade, de origem, que induzem habilidosas falsificações, a fim de provocar paranóias emotivas, em pessoas desprevenidas ou mal informadas. Igualmente, atenta consideração merecem as declarações de arrependimentos abortivos, sem que nos digam que o feto expulso tinham cinco ou seis meses de gestação. Lembremos que, nalgumas religiões, a falsificação funciona como técnica de poder.
Ideologias. Poderes e religiões do nosso tempo, na ânsia da eficiência, agarram-se aos tenros rebentos da Ciência, sempre em crescimento, fazendo deles dogmas, como fonte de regulamentos e de normas exteriores e de sistemas opressivos, com a montagem de mecanismos sagrados de controlo.
Fingem ignorar todo o interior do ser humano e que a essência das decisões da mulher e do homem, em concreto, decorre na consciência e no interior da alma de cada um, fora do alcance do olhar indiscreto e inquisitorial dos senhores do poder deste mundo
E fechamos com a Escritura, como começamos.
Por tudo isto, o voto SIM é o mais sensato, o mais racional e o mais evangélico, pois quem optar por esta atitude, acabará com a causa do medo, evitará que a mulher seja sujeita ao vexame e à humilhação e, sobretudo, fará como fez Jesus. Vejamos.
-Os doutores da Lei e os fariseus, tendo apanhado uma mulher a cometer adultério, levaram-na à presença de Jesus, dizendo: Moisés, na Lei, mandou-nos matar, à pedrada, tais mulheres. Jesus desafiou-os a que aquele que estivesse inocente, atirasse a primeira pedra. Que fizeram eles? Escapuliram-se, sorrateiramente, Jesus, então, perguntou à adúltera: “Ninguém te condenou? Ela respondeu a Jesus: Ninguém, Senhor. Disse-lhe Jesus: Também Eu te não condeno. Vai-te embora e, de agora em diante, não tornes a pecar”
Mulher, que foste obrigada a interromper a gravidez, por muitas e diferentes razões que, talvez tenham, até, diminuído ou, mesmo, anulado a tua consciência e liberdade, de tal forma que, se calhar, nem pecaste, e que uma lei iníqua te quer julgar e punir, nós, com o nosso SIM, no referendo de 11 de Fevereiro, queremos dizer-te, como Jesus disse à mulher adúltera, te diria: Eu não te condeno. Vai embora e não tornes a pecar.


Augusto Montemuro