terça-feira, fevereiro 06, 2007

Anunciando o Evangelho da Verdade

“ANUNCIANDO O EVANGELHO DA VIDA”

1. É este o título das reflexões do Reverendo Dr em Teologia, Padre João António Pinheiro Teixeira, em «Voz de Lamego», 30.01.07, em defesa do voto «não», no Referendo do dia 11 de Fevereiro corrente.
Teólogo e Padre parece-me que seria garantia de inteligência, fiabilidade e de discipulado de Jesus. Qual não foi a minha frustração, ao verificar que só dele me aproximo na condição de padre católico e apostólico, pobre aldeão, que se esforça por estar atento ao Evangelho, o meu livro de cabeceira, e ouvir Jesus: “Se alguém quer servir-me, siga-me” (João 12, 26); «Agora, porém, vós pretendeis matar-me, a mim, um homem que vos comunicou a verdade que recebi de Deus» (João 9, 40); «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (João 14, 6); «Para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade» (João 18, 37).
Suponho e acredito que o Padre, Dr João Teixeira, comunga neste meu ideal. Mas, se, por hipótese, assim não fosse, eu não o julgaria, nem censuraria, e continuaria a pensar que sim.
Porém, isso não me pode impedir de criticar a objectividade enganosa e falsa do seu descuidado raciocínio.
É, pelo menos, suspeito o conselho de pôr “de lado o que tem sido dito e escrito”; pode supor a pretensão perversa de ficar sozinho, numa orgulhosa pretensão de ser o anunciador da única verdade, que é a dele.
2. Na linha contrafeita dessa suposição descontrolada, se dogmatiza a tese: «Para o direito a vida humana é inviolável e, para a Medicina, a vida humana existe desde a concepção».
E repare-se no atrevimento cego e ousado que só uma ignorância infantil pode ser tão atrevida, de desafiar quem «se sente à vontade para contrariar o que dimana do Direito e da Medicina».
Ora. Sendo assim, aqui estou eu , tanto mais à vontade, quanto nos encontramos em campos iguais: nem o autor, nem eu somos juristas, nem médicos.
E começo por formular a minha tese que se opõe, palavra a palavra, à tese que, vigorosamente, censuro.
E, desde já, sublinhemos uma diferença fundamental. O Padre, Dr João Teixeira, tem o cuidado de refugiar-se no silêncio sofístico de não apresentar nem uma prova, nem boa, nem má; nenhuma, Porquê? Porque as não tem, pois quero supô-lo inteligente, mesmo que , por tal não queira passar, a favor da sua “dama”.
3. Mas eu, que procuro dar o meu pobre contributo para a verdade, para esclarecer os meus irmãos, que, ainda não puderam chegar ao conhecimento razoável destes problemas, vou provar a minha tese e dizer-lhes que continuem sempre a ler e a ouvir, com serenidade, e com a certeza de que ninguém é dono da Verdade, nem da Salvação. Só Deus é a Verdade e a Salvação.
a) O DIREITO. «A vida humana é inviolável;» são palavras do nº 1 do artigo 24º da Constituição da República; e o artigo 24º abre o capítulo I: «Direitos, liberdades e garantias PESSOAIS» (as maiúsculas são minhas. O referido nº1, deve ler-se, por força do contexto, “a vida humana pessoal é inviolável”, ora, a «coisa» (S. Gregório de Nisse) que resulta da concepção não é uma pessoa. Logo, a vida humana no momento da concepção não é inviolável.
b) PESSOA. Sirvo-me, agora, dum livro recente, fiável e insuspeito: «Bioética», feito por várioa colaboradores, sendo coordenador o Padre Dr Luís Archer, jesuíta, presidente da Comisão da Ètica das Ciência das Vida. O capítulo 6: «No início da vida, 6.1: O começo da vida humana, é da autoria do Dr M.Patrão Neves. Com as garantias atrás registadas, diz o Dr Neves: «Entendo por pessoa todo o ser humano capaz de consciência de si ( e, por isso, simultaneamente, de consciência do mundo e de um transcendente), de relacionamento (comunicação) e de participação na comunidade moral dos homens. A pessoa constitui-se através do exercício de uma vontade consciente e livre que parte do indivíduo mas que se realiza em sociedade» (pág. 176).
c) INDIVÍDUO. « A individuação constitui o factor determinante da personalidade» (pág. 179). Pode existir um indivíduo sem pessoa; mas não pode existir uma pessoa sem um indivíduo. «Um cacho de células não é um indivíduo, sob o ponto de vista ontológico» (bid.)
d) SER HUMANO:
-SÂO GREGÒRIO DE NISSE:. « Não se pode chamar homem ao embrião, dado o seu estado imperfeito; na verdade, nesse estado não passa de uma coisa virtual que, após o devido aperfeiçoamento, poderá atingir a existência de homem; porém, enquanto se encontrar nesse estado de inacabado, é qualquer outra coisa» (.“contra Macedónios”, séc.IV, citado por Michel Meslin, in “Les Religions, La Médecine et L’Origine de la Vie”, ed, Odile Jacob, Paris, 2001, p. 53).
-SÃO TOMÀS DE AQUINO: «Perguntam, relativamente aos que procuram o aborto, quando se deve considerar homicídio e quando não. O feticídio pertence ao homicídio, quando o feto já está formado e possui alma, como diz Santo Agostinho no comentário ao Êxodo, q. 80. Mas o mesmo Agostinho precisa que o feto ainda não formado não possui alma. Neste caso, o culpado de aborto é só multado e não condenado à morte» (Sentenciae IV 31, 4).
-CÓDIGO DO DIREITO CANÒNICO:«O aborto consiste na expulsão do feto vivo, do útero materno, incapaz de sobreviver fora dele. Isto acontece, quando a expulsão do feto se verifica antes dos cento e oitenta dias (25 semanas) de gestação» (comentário ao c.2350,CIC, 1917, BAC, Madrid, 1957).
-SANTO AFONSO MARIA DE LIGÒRIO: Defendeu, embora com a observação de “muito inseguro”, a opinião de São Tomás de Aquino acverca da “animação do sexo masculino no quadragésimo e do feminino no octogésimo dia da gestação (Theologia moralis III, n.394)..**-.
4. «Entendo por ser humano todo o indivíduo, substância única e indivisível, da espécie humana» (Patrão Neves, o, c., p.176)
«O sémen toma forma, gradualmente, no útero; não há homocídio, enquanto os diversos elementos não forem visíveis e dotados dos seus membros» (São Jerónimo, carta 121, 4).
5. «… Pode pensar-se que o feto ainda não está formado, que não tem alma e que, por esta razão, não há homicídio, pois não pode dizer-se que se possa privar alguém de uma alma que ainda não tenha recebido… Se o embrião ainda não é formado e se tiver, mesmo assim, de alguma maneira, uma alma, a lei não diz que o acto seja de natureza homicida, pois não pode dizer-se que ele tenha uma alma vivente no seu corpo, desprovido de sensação, se a sua carne ainda não está formada e, portanto, não goza ainda de sensação (Acerca de Êxodo 21, 80, citado por J. T. Noonan “Contraception et Mariage”, cerf, p, 120). «A forma substancial dos viventes, chamada alma, requer uma certa disposição orgânica…»;
6. «A alma humana… é criada por Deus e infundida no corpo,desde o momento em que está suficientemente preparado»; « A alma humana une-se de tal modo ao corpo que…por ela tem o homem o ser de homem, de animal e de vivente» (Teses tomistas, 13, 15 e 16, aprovadas pelo papa São Pio X. 1914, Denz. 3613, 3615 e 3616).
«Também das definições dogmáticas da Igreja não se pode deduzir que se oponha à fé supor que a passagem para a pessoa-espírito se realiza, apenas, no decurso do desenvolvimento do embrião. Nenhum teólogo poderá afirmar que pode apresentar provas de que a interrupção da gravidez constitui um homicídio, em todos os casos» (KARJ RAHNER, Dokumente der Paulusgesellschft, vol. 2, 1962,p´g. 391, s., citado por Uta Ranke-Heinemann, in “Eunucos pelo Reino dos Céus”, ed. Trotta, Madrd, 1994, pág. 279)
7. COMEÇO DA PERSONALIDADE. CÒDIGO CIVIL PORTUGUÊS: «Artigo 66º -1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida. 2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento» (Direitos sem sujeito (Mota Pinto).

Aqui fica a destruição completa do “direito” da vida humana inviolável, com que o Padre Dr João Teixeira pensava contar.
8. Mas não fica melhor com o fundamento que pensa ter na Medicina.
Tenho à minha frente cinco autores que se enquadram neste capítulo. São eles, J. T. Noonan, já referido acima; René Frydman, “Dieu, la Médecine et l’Embryon”, ed. Odile Jacob, nouvelle edition, 1999; Michel Meslin, já referido acima; Carlos Domínguez Morano, jesuíta, “Experincia cristã e Psicoanálise”, ed. Sal Terrae, Santander, 2006; M. Patão Neves. Já referido acima.
9. Como todos eles concordam no fundamental, como especialistas que são: médicos, ginecologistas, biólogos, psicólogos e filósofos, recolherei os dados do último.
«É indiscutível que existe uma nova forma de vida, desde a fecundação do óvulo (mas não uma vida de natureza nova) que é de tipo diferente da dos gâmetas de que proveio e cuja identidade genética a define como sendo da espécie humana» (p. 175).
«A id0entidade genética (biológica) não é mais imediatamente reconhecida como suficiente para definir o Homem na sua natureza específica. Ou seja, a humanidade do homem… não é revelada por nenhum índice biológico, mas antes se apoia sobre bases dogmáticas (religiosas) ou apela a uma fundamentação filosófica» (p. 175-176).
«A noção “vida humana” é definida pela biologia como uma identidade genética da espécie humana. Porém, só a filosofia poderá elucidar-nos quanto à natureza, sentido e alcance de “ser humano” e de “pessoa”…Pelo que reservamos a designação de “ser humano”para a nova forma de vida ou entidade ontológica que resulta da individuação embrionária» (p. 176).
9. Resumimos. O processo de fecundação leva 12 a 24 horas; mais 24 horas para a fusão dos gâmetas, o zigoto. Cerca de 60 horas, depois, surgirá um cacho de oito células. Pelo 14º dia verifica-se a implantação no útero. Passamos do zigoto para o pré-embrião. Nesta fase, as células mantêm-se com a qualidade de toti-potentes (podem dividir-se) em dois ou mais indivíduos (gémeos verdadeiros). Até aí não havia um indivíduo. Temos o embrião. O embrião acomoda-se no útero e, lentamente vão surgindo «as mais importantes estruturas e órgãos e se completa por volta das oito semanas» (p. 177).
«Entre as oito e as doze semanas de gestação a integração do sistema nervoso atinge um nível de desenvolvimento apreciável» (p. 178).
«Passamos então a referir-nos ao feto» (ibid.).
«Por outro lado alguns estudos recentes sobre o zigoto e blastocisto estado apto para entrar no útero) têm defendido que as características biológicas do futuro adulto não estão determinadas aquando da concepção. O desenvolvimento do ser humano é determinado por moléculas codificadas genética e não geneticamente dentro do embrião, ao mesmo tempo que pela influência do ambiente materno. Neste caso, o ADN cromossomático do zigoto não é suficiente para determinar o carácter único do futuro indivíduo. Levanta-se, assim, a dúvida acerca do zigoto ser ou não o adulto em que o embrião se desemvolve» (ibid). «Só a partir da embriogénese se tornará lícito falar de um ser humano» (p. 179).

Até aqui, o Dr Patrão Neves, que, no fundamental está de acordo com os autores que deixamos referidos mais acima, embora fiquem de fora desse acordo pormenores interessantes no sentido de maior abertura e profundidade.
10. Antes de encerrar o meu raciocínio gostaria de deixar constância de dois princípios que destroem todas as certezas, criadoras de crucificações, de inquisições, de nazismos e fascismos, e geradores de muitas dúvidas, a neblina luminosa da humildade e da paz. São eles:
1) «A posse ad esse non valet illatio» ( de “poder vir a ser” nunca se segue o “ser”(axioma escolástico).
2) «Ora. Não é possível uma coisa estar em “acto” e “potência” ao mesmo tempo, sob o mesmo ponto de vista» (São Tomás de Aquino, ST I 2, 3).
11. Creio ter ficado bem provada a minha tese e, em consequência, evidenciada a falsidade da tese do Revmº Senhor Padre, Dr João António Pinheiro Teixeira.
-Nem para o Direito a vida humana é inviolável, pois o Direito contempla a vida pessoal e o embrião não é uma pessoa; nem para a Medicina a vida humana existe desde a concepção, como deixei, atrás, sobejas provas que, para além da respectiva força, brilham na escuridão da noite de prova séria nenhuma.
-Ter uma opinião é respeitável; não prová-la é pouquidade, preguiça ou incapacidade. Insistir e persistir é desonestidade, que ronda as fronteiras da mentira apologética e ideológica.
12. Apetece-me encerrar, por hoje, com palavras do Doutor Angélico (São Tomas de Aquino): «Eis o que escrevemos para destruir o erro em questão, não invocando os dogmas da fé, mas recorrendo aos raciocínios e aos ditos dos próprios filósofos. Se alguém, usando gloriosamente do falso nome de ciência quer dizer algo contra o que escrevemos, que não se exprima em cantos sombrios ou diante de crianças que não sabem julgar de matérias tão complexas. Mas responda a este escrito, se se atreve. Ele encontrará face a si, não apenas eu que sou o último de todos, mas muitos outros zeladores da verdade, que saberão resistir ao seu erro ou esclarecer a sua ignorância» (De unitate intellectus contra Averroistas, c. 5, par. 120).

O2.02.07. padre Manuel Augusto Coata Pinto
manaucopin@gmail.com
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