manaucopin

sexta-feira, outubro 30, 2009

terça-feira, janeiro 27, 2009

copia de carta aberta

Manuel Augusto da Costa Pinto
CARTA ABERTA
Aos Irmãos Bispos, Sacerdotes, Diáconos e
demais Fiéis
da Igreja Católica, Apostólica, Romano-Cristã,
que vive em Portugal,
acerca do voto “sim”, por ocasião do Referendo civil
2008
INTRODUÇÃO
Proposta:
«Concorda com a despenalização da interrupção
voluntária da gravidez, se realizada, por opção da
mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento
de saúde legalmente autorizado?»
LEITURA HERMENÊUTICA
Concorda que a mulher que decidiu, voluntariamente,
interromper a gravidez, durante as dez primeiras semanas
de gestação, não deve ser incriminada e possa, se assim
o decidir, recorrer a um estabelecimento de saúde,
legalmente, autorizado?»
Assim, temos que, com a aprovação desta lei:
a) a mulher pode, se quiser, interromper, voluntariamente, a gravidez, sem penalização, cumprida a condição da alínea b);
b) a mulher pode decidir, se quiser, interromper a gravidez, nas dez primeiras semanas de gestação;
c)a mulher, pode, se quiser, para a execução da sua decisão, recorrer a um estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
d)As referidas opções da mulher não constituem qualquer crime punível pelo Direito Penal.
A proposta despenaliza a mulher que decidir abortar; limita a liberdade de aprazar o aborto, como condição de poder recorrer aos serviços de saúde oficiais, se assim o decidir. A montante do que chamamos aborto está a decisão da mulher. A jusante, ficam as condições impostas pela lei, enquanto lhe é permitido intervir a favor da vida, nas muitas variáveis em que se apresenta no facto da interrupção da gravidez. Se a proposta, em termos rigorosos , não pode dizer-se cristã, tem que reconhecer-se , razoavelmente humanista, e como benévola interpretação de um facto que transcende o próprio Estado, como é a decisão da mulher.
A opção de votar pelo “sim” do padre Costa Pinto não era ainda um facto, quando numa homilia, num raciocínio, acerca da misericórdia de Deus, se lhe “escapou” o “sim” pelo perdão da pecadora, e isto, ainda fora da campanha eleitoral. O incidente nunca mais se repetiu, nem teve consequências, nem ressonância de maior, não fora as agonias fanáticas de um ou outro, que nem sequer terá entendido a incidência ocasional e se consideram donos da verdade. Já na campanha, o padre, não tomou qualquer iniciativa pública, acerca da sua opção, até que, convidado para um encontro, numa papelaria, pouco espaçosa,a fim de ouvir uma senhora professora universitária brasileira. Quando lhe pediram um comentário à palestra da senhora, disse a sua opinião, sem se ter, sequer, apercebido da presença dos órgãos de comunicação, na dimensão que ocorreu.
A partir daí, e, agora, já convencido que a sua opinião podia ser, pelo menos parte da verdade, não mais virou as costas a quem o interpelava, pois, odeia a hipocrisia e a covardia. E foi assim que, sem o querer ou o procurar, se viu arauto de uma opinião em que acreditava, sem nunca pensar ser a verdade toda. Por outro lado, sentiu o conforto de opiniões de sacerdotes e bispos no mesmo sentido e a pobreza, o desnorte e a repulsa dos argumentos e actos dalguns grupos a defender o “não”, como a projecção de filmes, sem garantias de autenticidade, perante públicos sem formação; o padre assistiu a algumas dessas repelentes sessões.
Pelo que acima já foi dito pode compreender-se o erro metodológico dos cristãos que, despistadamente, se puseram em ordem de batalha “contra o aborto”. É um combate justo, desde o ponto de vista cristão e até humanista. Simplesmente, o aborto não era aqui o inimigo. Antes pelo contrário. Esta lei, como veremos mais adiante, é uma lei contra o aborto. Nós sabemos que o aborto, como a prostituição, são da idade da humanidade. O combate directo pode ser um incentivo ao mal. A única forma de o combater há-de ser a compreensão, a caridade, a educação, as condições económicas. Nem com o braço secular inquisitorial, intolerável no nosso tempo, se consegue combater.
II
A DESPENALIZAÇÃO DA MULHER
1. A despenalização pressupõe duas coisas: a prática de um crime merecedor de uma pena e a isenção dessa pena; no caso concreto, da pena do crime da interrupção da gravidez, nas dez primeiras semanas de gestação. A autoridade e a lei organizam a sua estrutura jurídica, de acordo com a interpretação que se faz da lei natural e dos interesses dos cidadãos. A função da autoridade civil é proteger os bens e interesses jurídicos dos cidadãos. Numa sociedade democrática o poder da autoridade vem-lhe do povo, pelo voto em referendo ocasional ou em eleições jurídicas estabelecidas pela lei.
No referendo de 11 de Fevereiro de 2007 a autoridade legítima propôs ao povo se concordava com a despenalização da mulher que decide interromper a gravidez, nas 10 primeiras semanas de gestação.
Não se discute o direito da autoridade fazer a proposta, nem o direito e a liberdade do cidadão expressar o seu voto, concordando, ou não, com a proposta. Porém, enquanto a proposta da autoridade é amoral, a resposta do cidadão pode apresentar-se à sua consciência, como vinculada, ou não, à moral da religião que professa. A decisão dependerá do conhecimento e valor vinculativo dessa moral, da posição do Magistério que ensina, da leitura que o votante faz do Evangelho; na certeza, porém, que a decisão final será sempre da sua própria consciência, cabendo-lhe, por ela, a responsabilidade perante Deus e perante os homens.
Ora, a mulher que decide interromper a gravidez, em qualquer fase da evolução da gestação, pode ou não cometer um delito, um pecado. As circunstâncias da acção é que definirão a natureza da respectiva moralidade. Essas circunstâncias são, globalmente, do foro interno da consciência. Teoricamente, sabe-se que há circunstâncias, neste caso, como noutros, de ordem física, social, familiar, psicológica, etc., capazes de exercer pressão tal sobre a pessoa, que anulam as condições psíquicas do cometimento do pecado, de qualquer pecado. Nesse caso o nosso julgamento seria injusto. Mas sê-lo-ia, igualmente, mesmo em caso de delito formal, por força do Evangelho:
«Não julgueis para não serdes julgados. Pois, com o julgamento com que julgais
sereis julgados, e com a medida com que medis sereis medidos»
«Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis, para não serdes
condenados, perdoai, e vos será perdoado» (Lc 6, 37).
«Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36).
Mas, se esta ética dos princípios evangélicos nos vincula, as atitudes de Jesus nos inundam de um mar de luz, compreensão e amor, sem escapadela possível, para justificar a nossa presunção arredia das sendas da luz.
São três mulheres pecadoras. O Evangelho não registou o nome de nenhuma delas. Nem enumerou ou identificou os seus pecados, mancebia, prostituição, adultério, aborto, talvez. Jesus não quis saber e ninguém soube. Não pediram perdão, nem proclamaram arrependimento. Amaram.
«Um fariseu convidou-o (a Jesus) a comer com ele. Jesus entrou, pois, na casa do fariseu
e reclinou-se à mesa. Apareceu, então, uma mulher da cidade, uma pecadora. Sabendo
que ele estava à mesa na casa do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume.
E, ficando por detrás, aos pés dele, chorava; e com as lágrimas começou a banhar-lhe os
pés, a enxugá-los com os cabelos, a cobri-los de beijos e a ungi-los com o perfume.
Vendo isso, o fariseu que o havia convidado pôs-se a pensar: 'se este homem fosse profeta,
saberia bem quem é a mulher que o toca, porque é uma pecadora !' Jesus, porém, tomando
a palavra, disse-lhe: 'Simão, tenho uma coisa a dizer-te'. - 'Fala, mestre, respondeu ele'. Um
credor tinha dois devedores; um lhe devia quinhentos denários e o outro cinquenta. Como
não tivessem com que pagar, perdoou a ambos. Qual dos dois o amará mais?' Simão res-
pondeu: 'Suponho que aquele ao qual mais perdoou'. Jesus lhe disse: 'Julgaste bem'.
E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: 'Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me
derramaste água nos pés; ela ao contrário, regou-me os pés com lágrimas e enxugou-os com
os cabelos; não me deste um ósculo; ela, porém, desde que eu entrei, não parou de cobrir-me os
pés de beijos. Não me derramaste óleo na cabeça; ela, ao invés, ungiu-me os pés com perfume.
Por essa razão, eu te digo, seus numerosos pecados lhe estão perdoados, porque ela demonstrou
muito amor. Mas aquele a quem pouco foi perdoado mostra pouco amor.' Em seguida disse à mu-
lher: 'Teus pecados estão perdoados'. Logo os convivas começaram a reflectir: ' Quem é este
que até perdoa pecados?' Ele, porém, disse à mulher: 'Tua fé te salvou; vai em paz'» (Lc 7, 36-50).
Nem o nome. Nem espécies de pecados: Nem uma única palavra da mulher. Só gestos, lágrimas, perfume e amor. Golpes de ironia, como vergastadas, no presunçoso Simão que nem de perdão precisava, pensava ele. E perdão, duas vezes, para a mulher pecadora de todos os tempos.
«Chegou, então, a uma cidade da Samaria, chamada Sicar... Ali se achava a fonte
de Jacob. Fatigado da caminhada, Jesus sentou-se junto à fonte. Era por volta da
hora sexta (meio-dia). Uma mulher da Samaria chegou para tirar água. Jesus lhe
disse:'Dá-me de beber!' Seus discípulos tinham ido à cidade comprara alimento.
Diz-lhe, então, a samaritana: 'Como, sendo judeu, tu me pedes de beber, a mim
que sou samaritana?' (Os judeus, com efeito, não se dão com os samaritanos).
Jesus lhe respondeu ' Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te diz: 'Dá-me
de beber', tu é que lhe pedirias e ele te daria água viva'. Ela lhe disse: ' Nem sequer
tens uma vasilha e o poço é profundo, de onde, pois, tiras essa água viva? És, por-
ventura, maior que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo
bebeu, assim como seus filhos e seus animais?' Jesus lhe respondeu: 'Aquele que
bebe desta água terá sede novamente; mas quem beber da água que eu lhe darei,
nunca mais terá sede. Pois a água que eu lhe der tornar-se-á nele uma fonte de
água jorrando para a vida eterna' . Disse-lhe a mulher 'Senhor, dá-me dessa água,
para que eu não tenha mais sede, nem tenha de vir mais aqui para tirá-la!' Jesus disse:
' Vai, chama teu marido e volta aqui'. A mulher lhe respondeu: 'Não tenho marido'.
Jesus lhe disse: 'Falaste bem, 'não tenho marido', pois tiveste cinco maridos e o que
agora tens não é teu marido; nisso falaste a verdade. Disse-lhe a mulher: 'Senhor,
vejo que és um profeta... Nossos pais adoraram sobre esta montanha, mas vós dizeis:
é em Jerusalém que está o lugar onde é preciso adorar'. Jesus lhe disse: 'Crê, mulher,
vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai...
Mas vem a hora – e é agora - em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai
em espírito e verdade'. Naquele instante, chegaram os seus discípulos... A mulher, então,
deixou seu cântaro e correu à cidade, dizendo a todos: ' Vinde ver um homem que me
disse tudo o quer fiz... Eles saíram da cidade e foram ao seu encontro... pedindo-lhe
que permanecesse com eles. E ele ficou ali dois dias...» (Jo 4, 5-42).
Que belo é este drama de ambiguidades, de pecado, de perdão, de fé de mensagem e anúncio da Boa Nova pela vocação de uma pecadora, de delicadeza do perdão.
Jesus passa por cima de leis e costumes para perdoar e fazer dos pecadores apóstolos da verdade e do amor. O caso que vamos ler, a seguir, é talvez o mais emblemático dos três ,que constituem abrumador argumento da tese que defendemos.
«Antes do nascer do sol, (Jesus) já se achava outra vez no templo...
Os escribas e os fariseus trazem, então, uma mulher surpreendida
em adultério e, colocando-a no meio, dizem-lhe: 'Mestre, esta mulher
foi surpreendida em flagrante delito de adultério. Na Lei, Moisés
nos ordena apedrejar tais mulheres. Tu, pois, que dizes?' Eles assim
diziam para pô-lo à prova, a fim de terem matéria para acusá-lo. Mas
Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo. Como persistissem
em interrogá-lo, ergueu-se e lhes disse: ' Quem de vós estiver sem
pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra!' Inclinando-se de novo,
escrevia na terra. Eles, porém, ouvindo isso, saíram um após outro, a
começar pelos mais velhos. Ele ficou sozinho e a mulher permanecia lá,
no meio. Então, erguendo-se, Jesus lhe disse: 'Mulher, onde estão eles?
Ninguém te condenou?' Disse ela: ' Ninguém, Senhor'. Disse, então,
Jesus: ' Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais».
(Jo 8, 2- 11).
Como podemos dizer “não” ao perdão civil da mulher que teve a infelicidade de ter de interromper a sua gravidez? Só rasgando o Evangelho! Rezemos:
« Oremos, irmãos, a Deus Pai todo-poderoso,
para que livre o mundo de todos os erros,
afaste as doenças e a fome em toda a terra,
abra as portas das prisões e liberte os oprimidos,
(Sexta Feira -Santa, Oração Universal, X).
Para terminar esta parte com o papa, de feliz memória, João Paulo II:
.
«Um pensamento especial quereria reservá-lo para vós,
mulheres que recorrestes ao aborto.(itálico do papa).
A Igreja está a par dos numerosos condicionalismos
que poderiam ter influído sobre a vossa decisão, e não
duvida de que, em muitos casos, se tratou de uma
decisão difícil, talvez dramática... Mas não vos
deixeis cair no desânimo, nem percais a esperança...
Abri-vos com humildade e confiança ao arrependimento:
o Pai de toda a misericórdia espera-vos para vos oferecer
o seu perdão e a sua paz no sacramento da Reconciliação...»
(“Evangelium Vitae”.´, nº 99).
As razões que apresentamos são de tal monta e força, que só por elas o cristão via-se coagido, a aprovar a proposta do referendo mesmo que nela pudéssemos ver pontos menos claros e não tão límpidos em relação à doutrina que mantemos contra o aborto.
III
A NOVA LEI LIMITA A LIBERDADE DE ABORTAR
1. Com o Magistério da Igreja o cristão católico-romano deve manter-se na presunção de que é verdadeira a tese de que o ser humano é-o, desde o momento da concepção, sem prejuízo de que “em determinados casos, se possa dar passos, em teoria e na prática, numa convicção mais firme,
conscientemente formada, em relação a um indivíduo particular” (Karl Rahner, Luzes e sombras da “Humanae vitae”, ed. Paulinas). Não está identificado o momento da concepção, não está definido o que deve entender-se por “ser humano”, confunde-se “vida humana” com “ pessoa humana”. É excessiva a dependência que se estabelece entre a Biologia, a Filosofia e a Teologia. O homem não é só biologia. Por vezes parece que para defender alguns pontos de doutrina, cai-se no materialismo do século XIX, e se esquece a dimensão maior do espiritualismo da integridade da pessoa humana.
Não foi, certamente, de animo leve, que a proposta de referendo condicionava a despenalização e a assistência médica ao prazo das dez primeiras semanas.
O aborto é uma realidade factual. Nem a lei civil, nem a lei moral podem impedi-lo pela força, uma vez que depende da decisão íntima da pessoa humana que é livre, até para fazer o mal e cometer o erro, salvaguardando os bens jurídicos de terceiros. A lei proposta para referendo, ao estabelecer, as dez primeiras semanas de gestação, para despenalizar a mulher e proporcionar-lhe, se ela o desejar, assistência médica pública, deve considerar-se uma disposição anti-abortiva, ao limitar o tempo, em que a mulher poderá decidir a interrupção da sua gravidez; quanto menos tempo decorrer, desde a concepção, menor será o dano da potencialidade do futuro ser humano. Esta parte da lei não fomenta o aborto, antes o dificulta, segundo o princípio “do mal, o menos”. Por
isso, não era esta norma que condicionava a consciência cristã para aprovar a lei.
2. Entretanto, por estranho que pareça, há um facto gravíssimo que o debate deixou na sombra, mas que sei que preocupou profundamente o padre Manuel A. Costa Pinto. E tem a ver com prazos e clandestinidade. Todos os dias aparece na informação social. Ainda, há semanas, foram encontrados numa cave, os cadáveres, em corrupção, de cinco recém- nascidos. É que, acontece, com mais frequência do que supomos, que por pobreza, ou por medo, a mulher disfarça a sua gravidez, até ao parto, que efectua, em lugar secreto, recolhendo a criança, aqui , sim, a criança, num saco de plástico e discretamente a arroja ao lixo, à sarjeta, ao descampado. Há tempos, um desses bebés foi encontrado, num descampado, ainda com vida e salvo. Esta lei pode concorrer para evitar estes verdadeiros infanticídios.
3. A lei possibilita o recurso da mulher, se assim o quiser, aos serviços de um estabelecimento de saúde legalmente aprovado, para a execução da sua decisão lamentável de interromper a gravidez.
É de acentuar, mais uma vez, que a interrupção da gravidez é da exclusiva vontade e responsabilidade, da mulher, quando é feita com vontade livre e responsabilidade, bem como fazê-lo, nas primeiras dez semanas de gestação, e recorrer aos serviços de saúde. A lei é, totalmente externa a todo esse processo, situando-se a jusante dessa complicada decisão de consciência da mulher.
Porém, talvez seja neste nível, onde lei civil e moral católica possam entrar em conflito, quando de um lado e de outro se estremam as realidades deste mundo e respectivas projecções.
Comecemos por analisar a moral da lei civil, ao assumir, a pedido da mulher, a cumplicidade na execução da decisão da mesma mulher, em relação à interrupção da gravidez.
O Estado tem que legislar para cuidar da saúde dos cidadãos, quando tais cuidados são pelos mesmos procurados, mesmo quando a doença seja contraída através de crime, ou de pecado. O aborto realizado sem assistência médica, pode dar origem a graves situações de saúde, que o Estado tem de proteger, e que implicam despesas do erário público. Por isso se compreende que a lei possa prever os meios que evitem essa dupla consequência. É isso, exactamente, o que o Estado está a fazer em relação à SIDA, colaborando directa, e materialmente na administração da droga, regulamentada, para evitar maiores males de saúde e despesa publica É isso que começa a ser aceite, pela moral católica em relação ao uso do preservativo, como prevenção sanitária.
Nos tempos modernos, o nosso Magistério católico-romano tem assumido, com exclusividade, a tese que, através dos tempos era uma das correntes teológicas da Igreja católica. É evidente que o nosso Magistério nem é sujeito da Revelação, nem se pode definir como Tradição, em temas que só, num determinado período de tempo, têm vigor. Como se verá, adiante, a tese que hoje se pretende
defender, e salva sempre melhor opinião, não é tradicional, porque muitos dos grandes doutores da Igreja defendem a contrária, porque, não é uma tese bíblica, nem a Tradição é, tão-pouco sujeito de Revelação. É verdade que no Antigo Testamento, algumas vezes se condena o aborto, mas nunca se define, como início do feto o momento da concepção e, algumas vezes, não é considerado, com crime, o aborto, como, mais tarde veremos.
Há referências bíblicas à providência de Iavé, em relação ao embrião, mas nunca se concretiza o calendário da vida do embrião que abrange nove meses de gestação. Antes pelo contrário. Logo no livro do Génesis 1, 28, o Criador confer ao homem a execução da sua Providência, dando-lhe o poder e o dever de povoar a terra e a dominar, como lei natural, comum ao homem e aos animais, como o próprio Criador o estabelecera seis versículos antes(Gn 1, 22).
É certo que no livro do Êxodo 20, 13, consta, como sexto mandamento,: «Não matarás». Porém, para quem leia mais do que uma linha da Bíblia, se aperceberá, facilmente, do sentido e âmbito deste preceito. O contexto geral do Antigo Testamento circunscreve o âmbito do preceito: não matarás elementos do meu povo, porque são de Iavé e só ele tem direito sobre a sua vida. Destes elementos alguns terás de matar, mas te direi, quem e quando – oráculo de Iavé. Mas é melhor lê-lo que dizê-lo.
Assim fala Moisés, em nome de Iavé, seu lugar-tenente e confidente:
-«Matai todas as crianças do sexo masculino. Matai, também todas as mulheres»(de Madiã) (Números 31, 17).
-Iavé disse a Moisés: Mate cada um aqueles dos seus homens que se ligaram ao Baal Fegor» (Números 25, 4-5).
-«Iavé, teu Deus, a entregará(qualquer cidade) na tua mão e passarás todos os seus homens ao fio da espada» (Deuteronómio 20, 13).
-«Estende a lança contra Hai... todos até ao último cairam ao fio da espada... foi de 12 mil todos os habitantes» (Josué 8, 18, 24-25).
-«Então (os israelitas) consagraram como anátema tudo o que havia na cidade: homens, mulheres, crianças e velhos»de Jericó) (Josué 6, 21).
É evidente a impertinência de invocar este sexto mandamento do Êxodo, a favor do embrião. Como se provou Iavé não terá querido ir tão longe, nem a Biologia do seu tempo enveredava por esses caminhos.
Viremo-nos, agora, para o Novo Testamento, onde a vida humana nunca aparece na dimensão embrionária, e só aparece em vida pessoal e o seu valor, sempre relativizado à vida eterna.
Quis Deus revelar-se aos homens, por Jesus Cristo, em língua grega, em que foi escrito o Novo Testamento. Ora, acontece que, em grego, existem três palavras para dizerem “vida”: “bíos”, “psikè” e “zoè”. A primeira traduz ideia geral do ser vivo; «psikè» é a vida racional, mortal material; e «zoè» é a vida eterna.
A vida humana, (psikè) é moral e ontologicamente relativa à vida eterna(zoè); esta é espiritual, eterna, nunca morre; aquela, é mortal, material e temporal; pode ser sacrificada em ordem à vida eterna. Por exemplo a natureza humana de Jesus, os mártires. Mas temos no evengelho segundo João 12, 25, a equação perfeita do valor da vida humana. Apresentaremos o texto grego transcrito em signos portugueses, e depois a tradução da Bíblia dos Capuchinhos.
«o filón ten psiken autou apollyei auten, kai o misom ten psiken autou
en tò kosmo toutó eis zoen aiónion fylaxei auten»
(Quem ama a a sua vida, perde-a; quem odeia a sua vida, neste mundo,
ganhará a vida eterna).
O papa João Paulo II, quando, em 25 de Março de 1995, publicou a encíclica «Evangelium Vitae», quando procurou argumentos do Novo Testamento, apenas citou a “zoè”, que não morre, nem ninguém pode matar, por conseguinte, nessa parte não era do embrião que falava, como pretendia. Nessa encíclica noventa por cento da nomeação da palavra vida, refere-se à vida em geral e não especificamente à vida do embrião. Quando a este se refere vai à Didaké buscar a palavra ambígua embrião, pois o texto citado (Didaqué, II), embora se refira à morte do filho antes de nascer, não precisa o tempo da gestação. Nenhuma tradução traduz o termo embrião
Na verdade nenhum texto do Novo testamento pode aduzir-se para condenar a interrupção da gravidez, até às dez primeiras semanas de gestação
3.Não é biologo quem quer. Mas pode saber qualquer coisa de biologia quem ler autores credíveis e competentes. E isto é possível. Se nos colocamos no campo da fé e respeitamos a ciência, temos que afirmar que o ser humano não se pode definir só pela Biologia; caímos no puro materialismo. Temos a Filosofia e a Teologia. Mas se nos fechamos aqui, fugimos da realidade.
Vamos referir quatro autores biólogos e médicos credíveis e competentes, sabendo que há outros com opinião diferente, cuja competência e credibilidade desconhecemos.
René Frydman é autor do livro “Dieu, la Médecine et l'Embrion”, ginecologista e parteiro-mór dos hospitais de Paris, famoso pelo nascimento de Amandine, o primeiro bébé-proveta francês e pelos trabalhos desenvolvidos nas PMA(pot. RMA), agnóstico, mas de impressionante honestidade e aberto, declaradamente, à doutrina católica. Citarei, apenas, uma frase com duas ideias, não só originais, mas que fazem pensar.
«Que l'on m'entende bien lorsque je parle de “project”. Un embrion espéré par un couple
est pour moi sacré; mais quelques blastomères dépourvus de desir parental ne constituent pas
un project. Ils méritent un certain respect, au nom de ce qu'ils auraient pu devenir s'ils avaient
été “animé” par ce desir. Il n'est pas question de les considérer comme um matériau quelconque.
Car ils étaient porteurs d'une potentialité d'être. Mais la biologie ne suffit pas à faire de ces
quelques cellules une persone» (cap. III, pp 77-78).
(Entenda-se-me bem, quando falo de “projecto”. Um embrião que um casal espera é, para mim, sagrado;
mas alguns blastómeros a que falta o desejo parental, não é um projecto. Merecem um certo respeito, em
nome do que eles poderiam vir a ser, se tivessem sido vivificados por esse desejo. Não se põe a questão
de os considerar como um materal qualquer. Visto eles terem en si a potência de ser. Mas a biologia não
chega para fazer destas poucas células uma pessoa).
Carlos Domínguez Morano, jesuíta, psicoterapeuta e professor de Psicologia da Religião na Faculdade de Teologia de Granada, escreveu o livro «Experiencia cristiana y psicoanálisis», 2006, a páginas 203, diz:
«LA FE NACE EN EL SENO DEL DESEO. De alguna manera se podría afirmar, al menos
desde una perspectiva psicológica, que el deseo se presenta como madre de la fe. No solo
porque el deseo jugó de una manera o otra en nuestra concepción y venida al mundo. Sino,
de modo más importante, porque el deseo, en su amplitud que desborda los avatares de la
procreación, estuvo allí para acogernos en nuestra venida a la existencia y recibirnos en unos
brazos que iban a configurar de modo fundamental nuestra primera relación com la vida y el
mundo. Tanbién con la creencia religiosa».
( A FÉ NASCE NO CORAÇÃO DO DESEJO. De certa maneira, poder-se-ia afirmar, ao menos numa
perspectiva psicológica, que o desejo apresenta-se como mãe da fé. Não só porque o desejo teve,
de uma forma ou de outra, um papel importante na nossa concepção e vinda ao mundo, se não que ,
de modo mais relevante ainda, porque o desejo, na sua amplitude transcende as metamorfoses da
procriação, esteve lá para acolher-nos na nossa chegada à existência e receber-nos nuns braços que
haviam de configurar, fundamentalmente, a nossa primeira relação com a vida e com o mundo.
Também com a crença religiosa).
Michel Meslin e Ysé Tardan-Masquelier, com outros, escreveram: «Les Religions, La Médecine et l'Origine da La Vie». Imprescindível para quem quiser compreender o dom maravilhoso da vida.
Propõe-nos o Magistério católico que o ser humano nasce no momento em que os gámetas se juntam e se fundem numa célula diplóide, o zigoto. Porém, “ao princípio não foi assim”: «Então Iavé modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o
homem tornou-se um ser vivente» (Gn 2, 7). Se transportarmos o esquema divino para a
actualidade, o homem e a mulher dividem entre si a tarefa de modelar o corpo humana e, depois Deus sopra nas suas narinas a vida, e, só então, o homem se torna num “ser vivente”.
A necessidade de síntese obriga-nos a passar ao último autor que não se pode deixar sem referência.
Falamos do livro «Bioética» da Editorial Verbo, Lisboa, 1996. É constituído com a colaboração de quarenta autores, sob a coordenação de Luís Archer, Jorge Biscaia e Walter Osswald.. O capítulo sexto trata do «Início da Vida”-«O começo da vida humana». É seu autor M. Patrão Neves.
Não dá como assente o momento em que começa a vida humana, pois, pergunta: «quando começa a vida humana?», dizendo que primeiro deverá definir-se a vida humana. Declara, logo, que a vida humana do espermatozóide e do óvulo, assumiu uma nova forma no zigoto, mas da mesma essência. A identidade genética não é definida pela Biologia, mas antes se apoia na teologia e na filosofia. «Estudos recentes acerca do zigoto e blastocisto vêm defendendo que as características biológicas do futuro adulto não estão determinadas, aquando da concepção»(p. 178). E mais adiante precisa: Ao nível do zigoto não se encontra ainda determinado se a presente identidade genética corresponderá a um desenvolvimento singular, ou será mais que um indivíduo, dois irmãos gémeos. Com duas almas? Também a alma se dividiu em duas? Há, pelo menos um que não é ser humano desde a concepção.
É por demais ingénua a falácia dos que dizem que se o zigoto é vida humana, e é, é já um ser humano, uma pessoa humana, um homem. O fermento não é o pão que comes à mesa; se comeres a flor, não dirás que comes uma maçã. A ontologia do zigoto vai sofrer metamorfoses de forma e substância, que sem elas nunca chegaria a ser um homem.
Estas opiniões científicas não são dogmas, são passos à procura da verdade. Nem nunca podem ser verdades definitivas, nem fundamento de verdades teológicas.
4. Entretanto, é sintomático que, há mais de mil e quinhentos anos já os pensadores cristãos, pela filosofia, chegavam às conclusões da ciência actual.
São Gregório de Nissa (329-390)falou assim: « Não se pode chamar homem ao embrião,dado o seu estado imperfeito; na verdade, nesse estado não passa de uma coisa virtual que, após o devido aperfeiçoamento, poderá atingir a existência de homem; porém, enquanto se encontra nesse estado
de inacabado, é qualquer outra coisa».
São Jerónimo(349-420), monge giróvago, alegre e descontraído, eremita perfeito, com a humildade de que falava Teresa de Ávila, dizia de si mesmo: «sou ao mesmo tempo filósofo, retórico, gramático, dialéctico, especialista em hebraico, grego e latim». Ao interpretar o Êxodo 21,
22, texto hebraico, contrariando os que traduziam o texto grego, dizia:«... o sémen toma forma, gradualmente, no útero; não há homicídio, enquanto os diversos elementos não forem visíveis e dotados dos seus membros» (Cartas, 121, 4).
Santo Agostinho (354-430), grande filósofo e pai primigénio da teologia católica, acerca do mesmo texto do Êxodo 21, 22, diz assim: «Aqui coloca-se, habitualmente, a questão da alma. Se partimos da fase em que o feto ainda não está formado, que, portanto, ainda não tem alma,
por esta razão, não há homicídio, pois não pode dizer-se que se possa privar alguém de uma alma que ainda não tenha recebido. Mas se já está formado deve dar-se “vida por vida”; se o embrião ainda não é formado e se tiver, mesmo assim, de alguma maneira, uma alma, a lei não diz que o acto seja de natureza homicida, pois não pode dizer-se que ele tenha uma alma vivente no seu corpo, desprovido de sensação, se a sua carne ainda não está formada e, portanto, não goza ainda de sensação».
Para melhor compreendermos o raciocínio dos dois filósofos e Padres da Igreja que acabamos de citar, transcrevemos a passagem bíblica que eles comentam:
«E quando alguns homens brigarem e ferirem uma mulher grávida, e ela abortar,
mas não houver acidente fatal, será paga uma indemnização, como impuser
sobre o assunto o marido da mulher» (Êxodo 21, 22).
Demos, agora, um salto até Santo Tomás de Aquino (1225-1274), Doutor Angélico e perene da Igreja católica, cujo raciocínio, como noutros assuntos, é de uma lógica implacável e clarificadora de palavriado filosófico e retórico, ao dizer: A alma é o princípio da operacionalidade do ser humano; essa operacionalidade só pode efectivar-se por meio de órgãos corporais adequados; logo a alma só se juntará ao corpo, quando esses órgãos se tiverem desenvolvido para a alma poder operar.
A posição do Doutor Angélico, nem sequer pode ser desvalorizada por ser medieval. Se assim fosse, muitas verdades católicas deveriam ser desvalorizadas. Mas a doutrina de Santo Tomás, tem sido renovada e inculcada por teólogos e, sobretudo, pelo Magistério. Referiremos, apenas, o «Motu Proprio» de São Pio X, «Doctoris Angelici» de 29 de Junho de1914, pelo qual mandou resumir em 24 proposições a doutrina do Doutor Angélico e que propôs para ser seguida, com liberdade prudencial. Transcrevemos as proposições que ao nosso tema se referem:
8. «A criatura corporal é composta de potência e acto, na sua mesma essência;
a referida essência e o referido acto da mesma essência, chamam-se matéria e
forma» (Denz 3608).
«13. Os corpos dividem-se em duas categorias: a dos viventes e a dos que não têm vida.
A forma substancial dos viventes, chamada alma, requer uma certa disposição orgânica,
ou seja, partes heterogéneas, para que haja no mesmo sujeito uma parte essencialmente
motora e outra movida» ( Denz 3613).
«14. As almas vegetativa e sensitiva não podem existir por si mesmas, nem agir por si,
existem unicamente como princípio da existência e da vida do composto vivente; portanto
ao corromper-se o referido composto, elas corrompem-se com ele, dada a sua total dependência
da matéria» (Denz 3614).
«15. Pelo contrário a alma humana subsiste por si mesma, é criada por Deus e infundida
no corpo desde o momento em que está suficientemente preparado (itálico nosso) e é
incorruptível e imortal por natureza» (Denz 3615).
«16. A mesma alma racional se une de tal modo ao corpo, que é a sua única forma
substancial, e por ela tem o homem o seu ser de homem, e de animal, e de vivente, e
de corpo, e de substância, e de ente. Por conseguinte a alma dá ao homem todos os graus
essenciais de perfeição e, além disso, comunica ao corpo o mesmo acto de ser com que ela
existe» (Denz 3616).
O dualismo grego do ser humano, desconhecido do judaísmo, foi herdado e aceite pelo cristianismo. A alma pré-existente de Platão passa a ser criada por Deus para cada ser humano. Saber em que momento Deus cria (“cria”, pois não se acredita em qualquer armazém divino de almas) e infunde essa alma no corpo humano, que acreditamos que o homem e a mulher, numa união de amor, “à imagem de Deus” criaram, para “povoar a terra”, terra que eles “dominam”, para acomodar nela um novo ser, se nela houver lugar adequado pare ele. Muito menos sabemos quando é que Deus cria a alma do corpo gerado na proveta.
Nós acreditamos que o Criador sabe o que faz e que, dada a natureza da alma, o seu carácter de
forma, que dá existência e actualidade à matéria, não vai infundir a alma numa substância que não possa dar resposta à natureza dessa substância espiritual, completa e imortal.
Ainda no século passado se debate a questão da animação imediata, ou diferida do embrião. E, assim, um dos maiores teólogos do século XX, Karl Rahner podia dizer: «Nenhum teólogo afirmará que pode apresentar provas de que a interrupção da gravidez é um homicídio em todos os casos» (Dokumente der Paulusgesellschaft, vol. 2, 1962, p. 391 s).
Estas razões científicas e teológicas não foram determinantes para a opção do padre Costa pinto.
Elas podiam ser, no entanto, de algum modo justificativas e explicativas da limitação da liberdade da mulher, para interromper a gravidez nas dez primeiras semanas; e esta limitação deve interpretar-se como um meio anti-aborto, O legislador, por força da sua condição de laico, podia alargar, por
mais tempo, como na Inglaterra, a possibilidade da opção da mulher. A lei exprimia uma clara limitação da liberdade da mulher para optar pela interrupção da gravidez.
III
A DISPONIBILIDADE MATERIAL
Encontramo-nos no último passo da interrupção da gravidez. Até agora, a lei mantivera-se afastada da decisão da mulher, não fomentando-a, nem proibindo-a, mas limitando-a.
Neste último passo, a lei exige uma segunda decisão da mulher – recorrer para a execução da decisão de interromper a gravidez, a um estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Não a exige, mas atende-a, com condições, se ela for pedida.
Note~se, ainda, que a lei não caracteriza, moralmente, porque não lhe compete, as decisões da mulher. Diz, apenas, que a não penaliza, nas condições, atrás referidas.
A lei dispõe-se, então, se a mulher o pedir, a prestar colaboração à mulher na infeliz e perigosa decisão abortiva.
Antes de mais, há que caracterizar esta colaboração; depois, caracterizar o acto abortivo da mulher; só, então, poderemos definir a moralidade de uma e do outro.
l. Começaremos por caracterizar o acto da mulher. Se concluirmos que não se trata dum acto mau, fica resolvida a bondade da colaboração da lei. “Etenim, primo, Sancti Thomae verba memoranda esse videntur”:
«Actionum quae ab homine aguntur, illae solae proprie dicuntur humanae, quae sunt propriae homini
inquantum est homo; differt autem homo ab irrationalibus creaturis in hoc quod est suorum actuum
dominus: unde illae solae actiones vocantur proprie humanae, quarum homo est dominus; est autem
homo dominus suorum actuum per rationem et voluntatem; unde et liberum arbitrium esse dicitur
facultas voluntatis et ratonis; illae ergo actiones proprie humanae dicuntur, quae ex voluntate deli-
-berata procedunt» (I-II, q. 1, a. 1).
(Das acções que o homem realiza, chamam-se propriamente humanas somente aquelas, que são
próprias do homem enquanto homem; o homem distingue-se das criaturas irracionais, precisamente, por ser senhor dos seus actos: por isso, chamam-se propriamente humanas só as acções das quais o homem é senhor e o homem é senhor dos seus actos pela razão e pela vontade; é por isso que se diz que o livre arbítrio é uma faculdade da vontade e da razão; portanto, chamam-se acções propriamente humanas as que procedem da vontade deliberada).
Não seria fácil estabelecer melhor base para o que se pode dizer, a fim de caracterizar, abstracta e concretamente, o acto humano; daí esta longa citação original de S. Tomás. Razão e vontade os dois parâmetros definidores que, por sorte ou desventura, habitam na frágil caverna da vida humana.
Por necessidade de síntese, desenvolveremos o raciocínio, em pinceladas de cores vivas, mas breves.
Não se deve confundir o acto humano com o acto do homem, o acto instintivo, primo-primi, o acto natural. Só o acto humano pode ser moralmente classificado. O acto humano é livre por natureza e procede do princípio intrínseco da vontade com o conhecimento do fim.
Só é livre a pessoa que pode agir, ou não agir, por escolha consciente deste ou daquele meio de agir.
A coacção externa é violência e priva da liberdade e da vontade. A necessidade natural é de natureza interna, priva da liberdade, mas não da vontade; é inobservável e não é susceptível de avaliação externa objectiva.
O livre arbítrio não subsiste só com o voluntário; exige também a liberdade da necessidade natural.
A vontade pode ser afectada e anulada pela violência, pelo medo, pela concupiscência e pela
ignorância, ao ponto de anular a liberdade que pode, igualmente, ser anulada por perturbações psíquicas momentâneas, ou permanentes (como a psicose, a psiconeurose, as depressões).
2. No quadro destas situações do acto humano torna-se muito difícil, senão impossível, avaliar a moralidade concreta do acto humano.
A regra próxima da moralidade é a consciência da pessoa, pessoalmente formada e informada,
sem que nenhum poder humano ou divino possa moldar, a consciência de cada um, que, em princípio, é coincidente com a lei divina. Para essa formação e informação concorrem os Doutores e as Escolas e o Magistério, que hão-de passar sempre pelo crivo da razão e da vontade de cada pessoa.
Eis alguns princípios orientadores. «In dubio melior est conditio possidentis» (na dúvida prevalece a situação do possuidor); «Qui prior est tempore, potius est jure» (Quem está primeiro no tempo, tem preferência no direito); «Autores non numerandi, sed ponderandi sunt» (A tradição não se avalia pelo número, mas pala qualidade dos Doutores).
3. Aplicando a estrutura do acto humano e a recta consciência ao agente da interrupção da gravidez e aceitando a doutrina do Magistério católico acerca da concepção, pode suceder que, no momento de avaliar a moralidade do acontecimento, podemos estar na presença de dois inocentes irreconciliáveis e transcendentes a qualquer poder moderador ou a qualquer sistema moral.
4. Na proposta de lei do referendo de 11 de Fevereiro de 2007, surge, como hipotética, a cooperação do Estado na execução da decisão abortiva da mulher, se ela a pedir.
E não é fácil caracterizar a moralidade desta cooperação. Digamos, com Autores moralistas, que cooperação é o auxílio físico ou moral para a realização má de outro agente, já determinada a agir. Diremos que a cooperação será formal se abranger também a intenção do agente principal; se se limita ao acto, em si, será, apenas, material.
A acção cooperativa pode ser boa em si, e usada para um fim mau; ou pode existir e esgotar-se no acto cooperado.
A acção do Estado na execução do aborto é um instrumento médico para outras doenças, por exemplo a extracção do cancro do útero. A cooperação do estado é, meramente material, pois não há dúvida que não aceita a intenção criminosa ou pecaminosa da mulher, ao contrário do que pode suceder no aborto clandestino ou em clínicas privadas. A recusa da cooperação pode implicar graves danos para a saúde do cidadão e despesa para o Estado. É por essas razões que o Estado administra drogas, a fim de evitar maiores males; fornece preservativos para evitar a sida.
Há dados que seriam indispensáveis para a avaliação moral da sua intervenção que ele não tem. Não sabe se, no período estipulado, se comete, ou não, um homicídio; se a decisão da mulher é um crime ou um pecado. Põe-se-lhe, ainda, à consideração, em face das variadíssimas circunstâncias, qual será o mal menor, ou maior, em presença.. Quem pode julgar, com razão e bom senso, imoral a intervenção do Estado? Para salvaguardar um mal maior é lícito praticar um mal menor. É sensato reconhecer a dificuldade de aplicar a casos concretos a moralidade da cooperação. Aqui, pode seguir-se a regra de Santo Afonso Maria de Ligório: « Acima de tudo, tenha-se como regra o que dizem os doutores, pois, visto a questão depender do juízo dos prudentes, a opinião mais comum será a mais provável».
Como complemento poderíamos dizer aqui, acerca da objecção de consciência, que os médicos e enfermeiros fogem do Purgatório,porventura, para irem para o Inferno!
IV
OBEDIÊNCIA E MAGISTÉRIO
A questão: Que tipo de obediência é devido aos decretos papais, quando ficam fora do âmbito da infalibilidade.
Entenda-se por “decreto” a opinião publicada pelo papa, como doutor autêntico, universal e supremo. Esse tipo de decretos podem considerar-se formais, quando são directamente
proferidos pelo próprio papa, geralmente, na forma de “carta encíclica”; virtuais, quando emanados das congregações da Cúria romana, e aprovados pelo papa. Quanto ao conteúdo, podem ser “disciplinares”, quando se propõem fazer observar alguma regra disciplinar; e “doutrinais”, quando o seu propósito é propor aos fiéis algum ponto de doutrina. São estes de que tratamos.
Há consenso entre os autores, dizendo que não é certo, absoluta e metafisicamente, ser devida obediência aos decretos doutrinais.
Diremos, então, que esta obediência é moralmente devida e condicionada, o que quer dizer que pode haver circunstâncias que justifiquem a sua suspensão. O Magistério não exige obediência de fé católica àquilo que ele não propõe como revelado. A obediência respeitosa e filial que a fé exige para as decisões do papa e dos bispos, no sentido de educar a nossa liberdade, não é sempre e necessariamente um assentimento de fé. Ela admite mesmo, no que tange à certeza, variedade de graus.
Todos sabemos que o bispo, não sendo infalível, tem a função aceite de mestre e defensor da fé; por isso o seu ensinamento doutrinal deve ser acatado e quando discutível ou discutido deve sê-lo sempre condicionadamente à obediência respeitosa e aberta ao diálogo
Os ensinamentos não infalíveis dos concílios ou do papa, exigem o assentimento dos fiéis, em espírito de obediência religiosa. Sem quebra desse assentimento, pode ter lugar, com respeito, sensatez e abertura a discussão, sobretudo, em questões que colidam com as Escrituras, com a Ciência, ou com a Razão. As razões que obrigam os fiéis ao acatamento, são as mesmas que autorizam os mesmos fiéis a exprimir a sua opinião: a procura da Verdade, que é património de todo o Povo de Deus. “As decisões da Santa Sé, ou das Congregações romanas só exigem uma adesão proporcionada ao seu grau de certeza” (Bernard Häring). Se estudar, opinar, discutir é permitido e , eventualmente, obrigatório, ao serviço da Igreja, missão de todos os fiéis, a rebeldia ostensiva será sempre condenável e estranha ao serviço da Igreja.
“Uma declaração que não tenha carácter de definição é, na realidade, fundamentalmente reformável, por isso, o católico e, com maior razão o teólogo, tem, por princípio, o direito, ou melhor, o dever, de levar em consideração esta realidade de facto”... “Subsistirá precisamente a presunção contrária, isto é, que seja verdadeira e suficiente – mas sempre e apenas presunção, susceptível, em determinados casos, de ceder o passo, em teoria e na prática, à convicção mais firme, conscientemente formada, de um indivíduo particular” (Karl Rahner).
A este propósito, é clarificador recordar a história: doutrinas expressamente reformadas, corrigidas, ou esquecidas, do papa Virgílio, do papa Honório, da bula “Exurge, Domine” do papa Leão X, acerca da usura, e sempre caso paradigmático de Galileu, declarações de Gregório XVI e Pio IX contra e estrutura democrática dos Estados, a oposição à doutrina de Darwin, acerca da evolução, recentemente, aceite pelo papa João Paulo II (1996).
Para a correcta iluminação das atitudes morais, em geral, não é vã a consideração das opiniões colectivas dos Bispos do Brasil, da Itália, da Bélgica, do Canadá, da Alemanha (será para reflectir a ausência da lista dos bispos de Portugal?), aquando da publicação da encíclica “Humanae vitae” do papa Paulo VI. A título de exemplo citemos os bispos belgas: “É preciso reconhecer , segundo a doutrina tradicional, que a última lei prática é a ditada pela consciência devidamente esclarecida, segundo os critérios da “Gaudium et spes”, e que o julgamento sobre a oportunidade de uma nova concepção compete, em última análise, aos próprios esposos, que devem decidir-se diante de Deus”.
E ainda os bispos do Canadá: “A consciência é o núcleo secretíssimo do homem. O sacrário onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz(GS,16).” “Mas é pela mediação de sua consciência que o homem percebe as injunções da lei divina, é ela que ele tem o dever de seguir fielmente em todas as suas actividades para chegar ao seu fim que é Deus”(Dignitatis Humanae, 3 e GS, 16-7). E os bispos alemães: «Nesta ocasião não excluímos a possibilidade de que um cristão católico, por motivos sérios, creia dever discordar de uma decisão do magistério eclesiástico, não proclamada com infalibilidade».
V
A LEI CONSTITUCIONAL PORTUGUESA
Num debate decadente, de deficiente sensatez moral, de indolência científica e, por vezes com toques de mau gosto de fanatismo , viu-se, com mágoa, arrastarem-se conceituados juristas e médicos, de parte a parte.
Isto já se deduz do que atrás ficou dito. Não queríamos, porém, terminar sem uma referência ao recurso à lei constitucional portuguesa, arrepelada, por todos os lados , com ligeireza e pobreza heurística confrangedora, com clara intenção falaciosa de atingir os ignorantes.
A Constituição Portuguesa exprime-se numa forma organizada. Assim, começa com uma I Parte, onde trata de direitos e deveres fundamentais, com um Título I de princípios gerais e um Título II, que trata de direitos, liberdades e garantias. Este Título II, desdobra-se em capítulos, dos quais o I trata de “DIREITOS,LIBRDADES E GARANTIAS PESSOAIS”, o primeiro artº deste capítulo I, é o artº 24º da Constituição reza assim: “ Direito à vida. 1. A vida humana é inviolável. 2. Em caso algum haverá pena de morte”. Só cores de olhos vesgos, ou lunetas defumadas, como as de Camilo, conseguem ver nestas normas qualquer forma de vida que não seja A VIDA PESSOAL. É o contexto organizativo do diploma e a própria natureza da norma. O nº 2 do artº 24º não protege o embrião da pena de morte. Trata-se aqui de direitos especiais, que continuam nos artºs 25º e 26º. Mas, se dúvidas houvesse, basta, para desfazê-las, recorrer ao artº 66º do Código Civil: «Artº 66º: 1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida. 2. O direito que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento”.
Esta hermenêutica é ainda esclarecida e reforçada pelo Código Civil, quando se refere aos nascituros, como se pode ver artigos 952º, 1855º, 2033º, 2240º e 95
VI
O DIREITO CANÓNICO
É certo que o c. 1398 castiga com excomunhão quem procurar e realizar o aborto, sem, no entanto, apresentar justificação para a pena, circunstâncias de lugar, ou tempo; se o feto tem trinta e seis semana de vida uterina quererá a norma abranger integralmente esse tempo; não o diz, nem se define o aborto. Fica indefinido o objecto do aborto; logo, o cânon deve ser interpretado nos termos do c. 18: «São de interpretação estrita as leis que estabelecem penas, coarctam o livre exercício dos direitos ou contêm excepção à lei» e do c. 17: «As leis eclesiásticas devem entender-se segundo o significado próprio das palavras, considerado no texto e no contexto; se aquele permanecer duvidoso e obscuro, recorrer-se-á aos lugares paralelos, se os houver, ao fim e às circunstâncias da lei e à mente do legislador. Como contexto e mente do legislador, no caso concreto em questão, devemos citar dos cânones: c. 1357: § 1. Sem prejuízo dos cc 508 e 976, pode o confessor absolver a censura latae sentitiae de excomunhão ou interdito que não tenha sido declarada, se for duro ao penitente o estado de pecado grave até que o Superior competente providencie», e o c. 1752: «....e tendo-se diante dos olhos a salvação das almas, que deve ser sempre a lei suprema da igreja».
Por isso a pena define-se pelo pecador e não pelo embrião eliminado. Na verdade o embrião não está abrangido pelo Direito canónico, nem por ele é protegido directamente. Com efeito, diz o c. 11: «Estão obrigados às leis meramente eclesiásticas os baptizados na Igreja católica, ou nela recebidos, que gozem de suficiente uso da razão e, a não ser que outra coisa expressamente se estabeleça no direito, tenham completado sete anos de idade». Só estes estão sujeitos à pena do aborto, excluindo, naturalmente, aqueles que tenham caído em heresia ou apostatado, aderindo a outra Igreja cristã, ou simplesmente, abraçando o agnosticismo, ou o ateísmo.
VII
CONCLUSÃO
Acreditamos que acabamos de expor, sucintamente, argumentos, factos e razões suficientes para a aprovação da lei proposta para o referendo de 11 de Fevereiro de 2007. Despenalizar a mulher; criar condições para evitar o infanticídio, no acto do nascimento de um filho indesejado; não liberalizar o aborto, limitando às primeiras dez semanas a sua possibilidade e, neste caso, a cooperação material se a mulher decidir solicitá-la, no intuito de evitar males maiores.
Nem todos estes pontos mereceram igual adesão; mas aqueles que a mereceram, totalmente, justificam a opção da aprovação.
Termino citando um teólogo credenciado: «Creio que é compatível o voto na despenalização e ser – por pensamento, palavras e obras – pela cultura da vida, em todas as circunstâncias, e contra o aborto.
«O “sim” à despenalização voluntária da gravidez, dentro das dez primeiras semanas, é contra o sofrimento das mulheres, em dobrado, com a sua criminalização. Não pode ser confundido com a apologia da cultura da morte, embora haja sempre tolos e tolas para tudo» (Frei Bento Domingues,
“O Público”, 28 de Jen. 2997).
VIII
APÊNDICE crítico
«Não existe discípulo superior ao mestre, nem servo superior ao seu senhor. Se chamaram Belzebu ao chefe da casa, quanto mais chamarão assim aos seus familiares!» (Mateus 10, 24-25).
DOMINGOS ALEXANDRE (Ribafeita), 70
anos,:«Mas que anda esse homem a fazer na
Igreja? Só pode ter expulsado o
Espírito Santo e admitido o diabo , para
chegar a esse ponto», disse à Agência Lusa...
«A Igreja deve ser tolerante e perdoar, mas
há pecados que não têm perdão, e o que
ele disse foi horrível. É um segundo
Herodes; é um matador de inocentes e,
ainda por cima, é um homem de Igreja»,
dizendo-se surpreendido com esta posição
do padre, a quem nunca teve nada a apontar,
até hoje. Por isso, deve ser expulso da
Igreja. (Internet).
MARIA ESTER BOLOTO (Ribafeita) 70 anos.
Considera que o padre Manuel deve
estar possuído pelo diabo e, por isso, não
o quer mais na paróquia de Ribafeita. Ele
está a dar maus exemplos. Devia era dizer
que apelássemos ao “não” (Agência Lusa,
Internet).
ARLINDO DUARTE ( Lordosa), 61 a nos:
: “Umas semanas antes do referendo, na
homilia, acerca da Misericórdia de Deus,
comentando o caso da mulher adúltera,
exortava os fiéis para imitar a misericórdia
Deus, cada um segundo a sua consciência.
Ele votaria “sim”, no referendo”, para
perdoar a mulher pecadora que tivesse
abortado. Logo, à saída um homem
comentou: «isto não é próprio de um
padre»; e, depois disso, já algumas
mulheres disseram que iriam rezar por ele.
«Eu estava na Missa em que ele disse isso
e não fiquei chocado, mas vi logo que
muita gente ia reclamar». Defendo que
os padres também devem ter opinião e,
depois, cada católico vota co mo quiser. Só
disse que ele votava “sim”.Não disse para todos votarem como ele. Disse aquilo que lhe estava na ideia, porque é muito espontâneo». E continuou:«Ainda não decidi o que vou votar, no próximo domingo... mesmo a Igreja não é unânime nesta questão e há muita gente da Igreja que vai votar “sim”, só que não tem coragem para o admitir e nem precisa, porque o voto é secreto. Este padre teve coragem. Quanto aos outros, que defendem a excomunhão de quem votar “sim”, não vivem neste mundo».
FERNANDA FERREIRA (Lordosa), 40 anos, e que já está decidida pelo “não”, também considera que o padre foi um homem corajoso, mas, se calhar, enquanto padre, não devia ter dito o que disse. Ele, como padre, é muito aberto connosco, tem umas ideias mais evoluídas que outros, que eu acho que os padres podem defender».
«Temos que partir, honesta e decididamente, do
pressuposto de que a vida humana, em termos genéricos, deve sempre alimentar-se de noções adquiridas pela ciência e pela consciência (Karl Rahner).
«Aqueles que ainda não chegaram à convicção da doutrina exposta pelo Magistério romano, não deixem de frequentar os Sacramentos...(Declaração colectiva dos Bispos Brasileiros).
«Se um cristão, depois de exame sério diante de Deus,chegar a outras conclusões diferentes de certos pontos doutrinais do Magistério, tem o direito de seguir, nesses pontos, as suas convicções».(Declaração colectiva dos Bispos Belgas).
«É pela sua consciência que o homem conhece a aplicação concreta da lei divina; é a sua consciência que ele deve seguir em todas as suas actividades, a fim de atingir o seu fim último, que é Deus».(Declaração colectiva dos Bispos do Canadá, que citam o II C. do Vaticano, “Dignitatis humanae 33 e Gaudium et Spes, 16 e 17).
«Os pastores de almas respeitarão, no seu serviço,
especialmente na administração dos Sacramentos, as decisões responsáveis da consciência dos seus fiéis»(Declaração colectiva dos Bispos Alemães).
«O uso do preservativo para a Igreja é pecado. Para si não é?» (Maria Flor Pedroso, entrevistadora).
«Para mim, não é. Para mim, é um elemento produtor da vida, uma forma civilizada e inteligente de proceder»(Bispo, D. Januário Torgal Ferreira).
«Creio que é compatível o voto na despenalização e ser, por pensamento, palavras e obras, pela cultura da vida, em todas as circunstâncias, e contra o aborto. O “sim” à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, dentro das dez semanas, é contra o sofrimento das mulheres, em dobrado, com a sua criminalização. Não pode ser confundido com a apologia da cultura da morte, embora haja sempre tolos e tolas para tudo»(Frei Bento Domingos, “Público, 28/01/2007).
«Das definições dogmáticas da Igreja não se segue que se oponha à fé católica afirmar que a passagem para a pessoa-espírito se efectua no decorrer do desenvolvimento do embrião. Nenhum teólogo afirmará que pode apresentar provas de que a interrupção voluntária da gravidez é um homicídio em todos os casos»(Karl Rahner, Dokuments der Paulusgesellschaft, vol. 2, q962, p.391). «De por si, em caso de dúvida positiva acerca da realidade pessoal do material, em experiencia, há razões a favor da experiência que, numa equilibrada ponderação, são mais fortes que o direito incerto de uma pessoa, cuja existência está sujeita à dúvida» (Karl Rahner, Schriften zur Theoligie, vol. 8, 1967, p. 286).
«Um pensamento especial quereria reservá-lo para vós, mulheres que recorrestes ao aborto. A Igreja e está a par dos numerosos condicionalismos que poderiam ter influído sobre a vossa decisão, e não duvida de que, em muitos casos, se tratou de uma decisão difícil, tal vez dramática... Mas não vos deixeis cair no desânimo, nem percais a esperança... Abri-vos com humildade e confiança, arrependimento; o pai de toda a misericórdia espera-vos para vos oferecer os seu perdão e a sua paz no sacramento da reconciliação...» (Papa, João Paulo II, “Evangelium vitae”, n. 99).
Neste contexto e sem a mínima
quebra da amizade humana e
sacerdotal que a eles me une,
devo registar aqui a atitude que
os senhores padres Amadeu, de
Lordosa e Ribafeita, João Carlos
da Bodiosa e Miguel, do Campo,
que, certamente, julgaram a mais
prudente, suspendendo a minha
pronta e leal colaboração
pastoral nas respectivas
paróquias.
«Lembrai-vos da palavra que vos disse: o servo não é maior que o seu senhor. Se eles me perseguiram, também vos perseguirão a vós» (João 15, 20).
«Então, trouxeram (a Jesus) um endemoninhado cego e mudo. E ele o curou... Toda a multidão... pôs-se a dizer: 'Não será este o Filho de David?' Mas os fariseus... disseram: 'Ele expulsa demónios, pelo poder de Belzebu, príncipe dos demónios'» (Mateus 12, 22-24).
«Os Judeus chamaram uma, segunda vez, o homem que fora cego (e que Jesus curara) e disseram: 'Sabemos que esse homem (Jesus) é pecador... Sabemos que Deus não ouve os pecadores'» (João 9, 24-38).
«Eis que Eu vos envio como ovelhas entre lobos. Por isso, sede prudentes como as serpentes e sem malícia como as pombas» (Mateus 10, 11-16).
«Guardai-vos dos homens: eles vos entregarão ao sinédrio e vos flagelarão em sua sinagogas. E por causa de Mim sereis conduzidos à presença de imperadores e reis, para serdes testemunho perante eles... O irmão entregará o irmão à morte e o pai entregará o filho... E sereis odiados por causa do meu nome» (Mateus 10, 17-22).
«Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus...» (Mateus 5, 11-12).
«Não penseis que vim trazer a paz à terra. Não vim trazer a paz, mas a espada. Com efeito, vim contrapor o homem ao seu pai, a filha à sua mãe e a nora à sua sogra» (Mateus 10, 32-36). «Chegaram-se a Jesus os fariseus de Jerusalém e disseram-lhe:'Porque os teus discípulos violam as tradições dos antigos?'... Ele respondeu-lhes: 'E vós porque violais o mandamento de Deus por causa da vossa tradição?'» (Mateus 15, 1-3).
«O Senhor lhes disse: 'Agora , vós, ó fariseus, purificais o exterior do copo e do prato e por dentro estais cheios de rapina e de perversidade ... Igualmente, ai de vós, legistas... porque impondes aos homens fardos insuportáveis, e vós mesmos não tocais esses fardos com um dedo sequer'» (Lucas 11, 37-46).
« 'Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?' Ele (Jesus) respondeu: 'Amarás ao Senhor , teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Esse éo maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas'» (Mateus 22, 34-40).
Jesus passou, com os seus discípulos, num sábado, pelas searas, com fome e colheram espigas para comer. Os fariseus censuraram-nos por violar o sábado. Jesus disse-lhes: «Se soubésseis o que significa: 'Misericórdia é que eu quero e não o ssacrifício', não condenaríeis os que não têm culpa» (Mateus 12, 1-8).
Jesus foi convidado para almoçar pelo fariseu Simão. Imprevistamente, uma mulher entrou atrás de Jesus e ajoelhou-se a seus pés, desfeita em lágrimas, com que lavava os pés do Senhor, enxugando~lhos com os cabelos, sem dizer uma palavra. Simão, o fariseu, intimamente escandalizado, estranhou aquela tolerância passiva e benevolente de Jesus, para com aquela 'pecadora'. Jesus adivinhou~lhe os pensamentos e disse-lhe: «Vês esta mulher... ela demonstrou muito amor. Em seguida disse à mulher: 'Teus pecados estão perdoados... Tua fé te salvou; vai em paz» (Lucas 7, 16-50).
«Os escribas e os fariseus trazem, então, uma mulher surpreendida em adultério... 'Mestre,.. na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. Tu, pois, que dizes?' 'Quem de entre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra' .Eles... saíram um após outro a começar pelos mais velhos... Ficou só Jesus e a mulher. Jesus disse à mulher: 'Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?' Disse-lhe ela: 'Ninguém, Senhor'. Disse, então, Jesus: 'Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais'» (João 8, 3-11).
ALIANÇA DE DEUS COM ISRAEL:
«Assim dirás à casa de Jacob e declararás aos filhos de Israel... (Êxodo 19, 3). «Não matarás» (Êxodo 20, 13). «Eis as leis que lhes proporás (aos filhos de Israel)... «Quem ferir a outro e causar a sua morte será morto.... Quem ferir o seu pai ou a sua mãe, será morto» (Êxodo, 21, 12 e 15). «Moisés referiu ao povo todas as palavras de Iavé e todas as leis e todo o povo respondeu a uma só vós:'Nós observaremos todas as palavras ditas por Iavé»(Êxodo 24, 3). «Vós estais passando pelas fronteiras dos vossos irmãos, os filhos de Esaú... não os ataqueis» (Deuteronómio 2, 4-5). «Não ataques Moab... eu dei Ar aos filhos de Lot» (Deuteronómio 2,9).
«E quando alguns homens brigarem e ferirem uma mulher grávida, e ela abortar, mas não houver acidente fatal, será paga uma indemnização, como impuser sobre o assunto o marido da mulher.» (Êxodo 21, 22) (Pelo aborto nada se paga, nem se considera fatal)..
«O Vigário Geral da diocese de Lamego disse à Lusa que iria conversar com o padre Costa Pinto... Quando houver oportunidade vamos ter uma conversa com ele, mas na base da caridade entre pessoas que se estimam, não para recriminar... A nossa forma de tratar as pessoas é personalizada, na base da intimidade e do relacionamento pessoal. Não vai passar nada para fora, vai ser privado.... No início deste século pediu que o dispensassem do exercício do serviço paroquial, por motivos de saúde e foi viver para Viseu, onde tem uma irmã que o apoia. Fez bom trabalho, durante muitos anos...» (Agência Lusa, Internet).
Atitude compreensiva e aberta por parte dos Bispos sob cuja autoridade pode exercer, eventualmente, ajudando os colegas, o seu sacerdócio: Lamego, Viseu e Bragança, a rogo de párocos das três dioceses.
BIBLIOGRAFIA SELECCIONADA
BIOÉTICA, Coordenação de Luís Archer, Jorge Biscaia e
Walter Osswald; II Bioética Especial, ed. Verbo,
1996, 6: no início da vida, M. Patrão Nevas, p. 175.
A SEXUALIDADE, A IGREJA E A BIOÉTICA,
Miguel Oliveira da Silva, ed. Caminho, 2008.
LES RELIGIONS, LA MÉDECINE ET L'ORIGINE DE
LA VIE, Michel Meslin, Alain Proust, Ysé
Tardant-Masquelier, ed. Odile Jacob, Paris, 2001.
A ÉTICA DO ABORTO, Pedro Galvão, ed. Dinalivro
REVOLUÇÃO GENÉTICA, Brian Stableford, ed.
Difusão Cultural, Lisboa, 1992.
ABORTO/IVG, SIM/NÃO, Coordenação de Victor Mendes
e Fernando Correia Gomes, Legis Editora, 2007.
DIEU, LA MÉDECINE ET L'EMBRYON, Pr René
Frydman, ed. Odile Jacob. Paris, 1999.
HISTÓRIA DO ABORTO, Giulia Galeotti, Ed. 70, 2007.
ABORTO E O DIREITO, José Pinto Barros,
Coimbra Editora, 1982.
MEDITAÇÃO SOBRE A VIDA, C. E. P..2004.
O ABORTO A BEM DA CRIANÇA, Frans Wong, ed. Liber,
1877.
TERTULIAS DE BIOÉTICA, Juan Masiá Clavel, S. J..
ed.Trotta, Madrid, 2006.
QUESTÕES ACTUAIS DE ÉTICA MÉDICA, José Rui da
Costa Pinto, S. J.,ed., A. O., Braga, 2ª, 1984.
ENGENHEIROS DA VIDA, Renato Dulbecco, Prémio Nobel
(1975), ed. Presença, 1990.
O DESAFIO DA GENÉTICA, Jean-Marie Moretti-Olivier
de Dinechin, ed. Notícias, Lisboa.
DESAFIOS D A NOVA GENÉTICA, Luís Archer, S. J.,
ed. Brotéria, Lisboa.
MATERNIDADE E BIOLOGIA, Jean Rostand,
Editorial Signum, 1966.
O QUE É O HOMEM?, Luc Ferry, Jean-Didier
Vincent, ed. ASA, Porto, 2003.
O EVANGELHO DA VIDA, Papa João Paulo II,
1995.
BIOÉTICA SIMPLES, Mª do Céu Patrão Neves,
edit. Verbo, Lisboa, 2007.
DA GENÈTICA À BIOÈTICA, Luís Archer,
Gráfica de Coimbra, 2006.
BIOÈTICA Y RELIGIÓN, Juan Masiá, sj,2008.
ÍNDICE
INTRODIÇÃO..............................................................................................................2
A DESPENALIZAÇÃO DA MULHER.......................................................................3
A NOVA LEI LIMITA A LIBERDADE DE ABORTAR..............................................6
A DISPONIBILIDADE MATERIAL...........................................................................11
OBEDIÊNCIA E MAGISTÉRIO.................................................................................13
A LEI CONSTITUCIONAL PORTUGUESA..............................................................14
O DIREITO CANÓNICO.............................................................................................15
CONCLUSÃO...............................................................................................................15
APÊNDICE CRÍTICO...................................................................................................16
BIBLIOGRAFIA SELECCIONADA............................................................................19

terça-feira, novembro 18, 2008

AVALIACAO DE PROFESSORES

Etiquetas:

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Dioces de LamegoDIOCESE DE LAMEGO VAI CONVERSAR

DIOCESE DE LAMEGO VAI CONVERSAR
COM O PADRE DEFENSOR DO «SIM»

Exmº Senhor Director de “DIÀRIO DE VISEU”

Na edição do dia 9 do corrente, na pág. 5, publica V. Excª uma nota extensa acerca da minha posição em relação ao meu voto «sim» no referendo do passado dia 11 do corrente. Nesse texto louvo o esforço de precisão, sinto a necessidade de contenção, resultando, ao fim e ao cabo, ambiguidades e omissões que acabam por deixar dúvidas acerca da minha dignidade e responsabilidade de homem cristão e padre, o que, acredito, V. Excª não pretendeu comprometer. Por isso, venho pedir-lhe o favor de publicar este esclarecimento.
Permita-me que sublinhe, claramente, as razões substantivas da minha decisão.
Primeiro: entendi que um dos aspectos da proposta conduzia a uma realidade concreta: o perdão legal da mulher pecadora, e isto configura, para todos os cristãos a doutrina e a praxis evangélica (Lucas 7, 36-50; Mateus 9 10-13; 11 18-9; Lucas 4 17-21; 6 36-38; João 8 3-11). Deixarei aqi o texto de Lucas 6 36-38: “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis, para não serdes condenados; perdoai, e vos será perdoado. Dai, e vos será dado; será derramado no vosso regaço uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, pois com a medida com que medirdes sereis medidos também”.
Segundo: esta proposta acaba com a lei punitiva; e é com o medo da lei em vigor, que julga e condena a mulher abortiva e, muitas vezes, sem dinheiro para recorrer a meios clandestinos ou estrangeiros, decide levar a gestação até à hora do parto e, então desfazer-se do filho não desejado, arrojando-o ao lixo, ao cano de esgoto, à cova do quintal, praticando um horroroso infanticídio. Estas são as duas razões substantivas da minha decisão.
Actualmente, sou um padre em situação de jubilação, desde 2003, nos termos do c. 538, § 3. Moro, em Cruzamento de Orgens, 3510-674, Viseu, em casa da minha irmã Maria do Socorro, senhora licenciada em Germânicas, durante muitos anos professora em Viseu, Abravezes e Grão Vasco, escritora, autora de “Quem matou o Professor”, inteligente e sensata, que constituo juiz dos meus passos, não preciso da dádiva do seu apoio, mas do conforto do seu convívio fraternal.
Em Maio de 1987, a requerimento meu e preenchidas as condições canónicas, o senhor D. António Rafael, então, Bispo Bragança e Miranda, concedeu-me a desincardinação da diocese de Bragança. Em Julho de 1988, a requerimento meu e preenchidas as condições canónicas, o senhor D. António Xavier Monteiro, Bispo de Lamego, concedeu-me a incardinação, nesta Dioeese . Exerci o ministério paroquial em Almofala, Salzedas, Cujo e Monteiras. Quando pedi o relevo da paroquialidade de Salzedas, D. António Xavier Monteiro, confortou-me com o título de “grande padre”, em carta de 5.7.1990.
Alguma observação me tem sido feita acerca do pouço que tenho escrito, que escutei com respeito e na dimensão devida. Na verdade, não confundo “doutrina da Igreja”, com aquilo que alguém possa pensar que é doutrina da Igreja. Nunca pretendi contrariar doutrina autêntica da Igreja, a que estou sempre atento e obsequente, o que me não inibe criticar, o que se pode criticar, sugerir o que se julga melhor, por força da liberdade dos filhos de Deus.
Em 1971, escrevi um livrinho onde defendo a tese do celibato opcional para os padres. Os Serviços de Censura pediram a Direcção Geral de Segurança para apreender o meu livro «O Casamento dos Padres», o que foi realizado. Em 30.5.71, requeri ao senhor Presidente do Conselho de Ministros, ao tempo Marcelo Caetano, a libertação do livro. Em 22 de Junho fui informado, pelos mesmos Serviços de Censura de que, por despacho superior e em virtude do meu requerimento… recorrendo da interdição do livro…Por esse facto deverão cessar todas as deligências… de apreensão… todos os exemplares entregues nos…locais onde a apreensão se tenha verificado. O livrito vendeu-se de repente.
Quem não esteve pelos ajustes foi o meu Bispo de Bragança, D. Manuel de Jesus Pereira que, aliado ao de Lisboa, suspendeu-me do exercício de Ordens. O trabalho em Santos-o-Velho foi pressão do Pároco, ao corrente de todo o processo “maluco”. Ao fim de dois anos o D. António Xavier Monteiro ordena ao Pároco para me dispensar. D. António que, depois, me incardinará em Lamego.
Já que tanto se tem diabolizado o meu comportamento, sem motivos sérios, é justo que eu traga ao público o que outros têm dito de mim. Fui tenente graduado capelão, na Guiné. 1966-1968. Na O. S. Nº 174, dizia-se: “Que louvo o Tenente Graduado Capelão… porque, para além da assistência religiosa prestada ao pessoal do Batalhão (de Cav. 1897) se dedicou com muito entusiasmo e dedicação à acção educativa, primeiro das crianças nativas em idade escolar e, posteriormente, criando um curso nocturno para nativos adultos que teve o melhor acolhimento por parte da população e que tem funcionado com pleno rendimento. De citar ainda toda a sua colaboração e melhor cooperação no funcionamento da Cantina da Unidade”. O Tem Cor, C. Chefe do Serviço, Padre Cachadinha ercrevia-me: “Ao tomar conhecimento do louvor que tão justamente acaba de lhe ser atribuído, apresso-me a felicitá-lo….” E o senhor Bispo, Capelão-Mor: “Chegando ao meu conhecimento a citação elogiosa que recentemente lhe foi atribuída pelo seu Comando, apresso-me a apresentar-lhe as minhas calorosas felicitações por este justo e público reconhecimento das suas qualidades de abnegação…” O Padre Bártolo, capitão capelão chefe, quando da sua despedida: “…um abraço de despedida e o meu reconhecimento muito penhorado pela tua leal e excelente colaboração. Apreciei imenso o teu trabalho, a tua dedicação, o teu carácter….”. No Relatório final do senhor Coronel Carlos Vasconcelos Porto, é-me dedicada mais de uma página, destacando a minha actividade no campo da instrução; o relacionamento ecuménico com os maometanos…
É este o padre diabólico que defende e perdoa os pecadores e os recém-nascidos.
Pe Manuel Augusto Costa Pinto

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

O «sim» dos católicos

O senhor Claudino Ferreira Gomes, in JN, 07.02.07, pretende, com uma ignorância falaciosa, macular a pureza cristã e católica do «sim» doscristãos e católicos, em relação ao referendo do dia 11 do mêscorrente. Os cristãos e católicos que votam «sim», fazem-no ao sopro do Espírito Santo que sopra quando e onde quer. Não é honesto que o Sr. Claudino meta na liça o problema do aborto. Vejo que sabe escrever, mesmo que mal. Tenho dúvidas de que saiba ler; não lê bem quem quer, mas quem sabe. O voto «sim» está de acordo com o Evangelho. Jesus também vota «sim». Leia-se, quem souber ler, o caso da Adúltera em João 8 3-11. Estes cristãos e católicos, (há cristãos que são católicos e católicos que não são cristãos) votam «sim» todos, Evangelho, Tradição e Magistério, estão de acordo:1) porque temos obrigação de imitar Jesus (quem quiser ser meu discípulo, siga-Me), perdoando e usando de misericórdia para com amulher pecadora, que teve de abortar. 2) para que a mulher, com medo da lei e por ser pobre, não se veja na tentação de praticar o infanticídio: leva a gestação até ao parto, que ocorre na casa de banho, recolhe a criança num saco de plástico, que deitar ao lixo, ao cano de esgoto, à cova do quintal, ao prado discreto, onde chegam a ser encontrados ainda com vida. O «não» quer: surrar a mulher com a vergasta da lei, ou que, por medo e pobreza ( não pode ir aos clandestinos ou ao estrangeiro) matem o recém-nascido, daquela maneira ignominiuosa. O »sim» quer pôr fim a esse medo e a esse infando crime; quer que ela, pecadora, ou não, oiça, como a mulher Adúltera, a voz deJesus:«Vai e não tornes a pecar» Não conspurque, sr. Claudino, com o veneno que lhe vai na alma, estes propósitos cristãos, com o seucatolicismo duvidoso, mais papista do que o Papa.
manaucopin@gmail.com.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

O FILHO QUE NÃO QUIS

No nosso jardim havia
só espinhos e não fores.
Como podia haver frutos
em terra de tantas dores?

Nas résteas de primavera
do nosso abraço amoroso
não podia haver o fruto
que, antes, dera o nosso gozo.

Não eras filho de amor,
nem de desejo e vontade,
não podias ter os braços
de nascidos, de verdade.

Nem nunca foste esperança,
um quase-nada de vida...
É melhor não vir a ser,
do que existência dorida.

O FILHO QUE EU QUIS

O FILHO QUE EU QUIS

Conheci-te como ave assomada em seu canto!
Tua voz, como luz revelada no cálice vazio de tempo.

Amanhecer!
A finura
do ouro e a verde
frescura
do vento abriram o segredo do bosque escolhido,
onde o silêncio se irmana,
na luz ciciante,
com a inocência da água.

Vieste,
na brisa,
como remota corrente,
semear teu aroma na terra inflamada.

Pressentia o rumor,
nas selvas e longes,
da neve, com gretas de sol, sobre os cumes.

Caíu sobre o campo o mistério mais lúcido,
como um canto de vozes futuras, que tu,
com gesto adolescente,
desfraldas ao vento...

Um perfume de sangue e de neve
é, agora,
a chuva reclinada sobre a sede do campo,
que encheu o crepúsculo fugido...

Vieste,
na brancura imponderável do cisne sobre a água,
como um pássaro,
semear teu aroma
na terra inflamada.

Anunciando o Evangelho da Verdade

“ANUNCIANDO O EVANGELHO DA VIDA”

1. É este o título das reflexões do Reverendo Dr em Teologia, Padre João António Pinheiro Teixeira, em «Voz de Lamego», 30.01.07, em defesa do voto «não», no Referendo do dia 11 de Fevereiro corrente.
Teólogo e Padre parece-me que seria garantia de inteligência, fiabilidade e de discipulado de Jesus. Qual não foi a minha frustração, ao verificar que só dele me aproximo na condição de padre católico e apostólico, pobre aldeão, que se esforça por estar atento ao Evangelho, o meu livro de cabeceira, e ouvir Jesus: “Se alguém quer servir-me, siga-me” (João 12, 26); «Agora, porém, vós pretendeis matar-me, a mim, um homem que vos comunicou a verdade que recebi de Deus» (João 9, 40); «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (João 14, 6); «Para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade» (João 18, 37).
Suponho e acredito que o Padre, Dr João Teixeira, comunga neste meu ideal. Mas, se, por hipótese, assim não fosse, eu não o julgaria, nem censuraria, e continuaria a pensar que sim.
Porém, isso não me pode impedir de criticar a objectividade enganosa e falsa do seu descuidado raciocínio.
É, pelo menos, suspeito o conselho de pôr “de lado o que tem sido dito e escrito”; pode supor a pretensão perversa de ficar sozinho, numa orgulhosa pretensão de ser o anunciador da única verdade, que é a dele.
2. Na linha contrafeita dessa suposição descontrolada, se dogmatiza a tese: «Para o direito a vida humana é inviolável e, para a Medicina, a vida humana existe desde a concepção».
E repare-se no atrevimento cego e ousado que só uma ignorância infantil pode ser tão atrevida, de desafiar quem «se sente à vontade para contrariar o que dimana do Direito e da Medicina».
Ora. Sendo assim, aqui estou eu , tanto mais à vontade, quanto nos encontramos em campos iguais: nem o autor, nem eu somos juristas, nem médicos.
E começo por formular a minha tese que se opõe, palavra a palavra, à tese que, vigorosamente, censuro.
E, desde já, sublinhemos uma diferença fundamental. O Padre, Dr João Teixeira, tem o cuidado de refugiar-se no silêncio sofístico de não apresentar nem uma prova, nem boa, nem má; nenhuma, Porquê? Porque as não tem, pois quero supô-lo inteligente, mesmo que , por tal não queira passar, a favor da sua “dama”.
3. Mas eu, que procuro dar o meu pobre contributo para a verdade, para esclarecer os meus irmãos, que, ainda não puderam chegar ao conhecimento razoável destes problemas, vou provar a minha tese e dizer-lhes que continuem sempre a ler e a ouvir, com serenidade, e com a certeza de que ninguém é dono da Verdade, nem da Salvação. Só Deus é a Verdade e a Salvação.
a) O DIREITO. «A vida humana é inviolável;» são palavras do nº 1 do artigo 24º da Constituição da República; e o artigo 24º abre o capítulo I: «Direitos, liberdades e garantias PESSOAIS» (as maiúsculas são minhas. O referido nº1, deve ler-se, por força do contexto, “a vida humana pessoal é inviolável”, ora, a «coisa» (S. Gregório de Nisse) que resulta da concepção não é uma pessoa. Logo, a vida humana no momento da concepção não é inviolável.
b) PESSOA. Sirvo-me, agora, dum livro recente, fiável e insuspeito: «Bioética», feito por várioa colaboradores, sendo coordenador o Padre Dr Luís Archer, jesuíta, presidente da Comisão da Ètica das Ciência das Vida. O capítulo 6: «No início da vida, 6.1: O começo da vida humana, é da autoria do Dr M.Patrão Neves. Com as garantias atrás registadas, diz o Dr Neves: «Entendo por pessoa todo o ser humano capaz de consciência de si ( e, por isso, simultaneamente, de consciência do mundo e de um transcendente), de relacionamento (comunicação) e de participação na comunidade moral dos homens. A pessoa constitui-se através do exercício de uma vontade consciente e livre que parte do indivíduo mas que se realiza em sociedade» (pág. 176).
c) INDIVÍDUO. « A individuação constitui o factor determinante da personalidade» (pág. 179). Pode existir um indivíduo sem pessoa; mas não pode existir uma pessoa sem um indivíduo. «Um cacho de células não é um indivíduo, sob o ponto de vista ontológico» (bid.)
d) SER HUMANO:
-SÂO GREGÒRIO DE NISSE:. « Não se pode chamar homem ao embrião, dado o seu estado imperfeito; na verdade, nesse estado não passa de uma coisa virtual que, após o devido aperfeiçoamento, poderá atingir a existência de homem; porém, enquanto se encontrar nesse estado de inacabado, é qualquer outra coisa» (.“contra Macedónios”, séc.IV, citado por Michel Meslin, in “Les Religions, La Médecine et L’Origine de la Vie”, ed, Odile Jacob, Paris, 2001, p. 53).
-SÃO TOMÀS DE AQUINO: «Perguntam, relativamente aos que procuram o aborto, quando se deve considerar homicídio e quando não. O feticídio pertence ao homicídio, quando o feto já está formado e possui alma, como diz Santo Agostinho no comentário ao Êxodo, q. 80. Mas o mesmo Agostinho precisa que o feto ainda não formado não possui alma. Neste caso, o culpado de aborto é só multado e não condenado à morte» (Sentenciae IV 31, 4).
-CÓDIGO DO DIREITO CANÒNICO:«O aborto consiste na expulsão do feto vivo, do útero materno, incapaz de sobreviver fora dele. Isto acontece, quando a expulsão do feto se verifica antes dos cento e oitenta dias (25 semanas) de gestação» (comentário ao c.2350,CIC, 1917, BAC, Madrid, 1957).
-SANTO AFONSO MARIA DE LIGÒRIO: Defendeu, embora com a observação de “muito inseguro”, a opinião de São Tomás de Aquino acverca da “animação do sexo masculino no quadragésimo e do feminino no octogésimo dia da gestação (Theologia moralis III, n.394)..**-.
4. «Entendo por ser humano todo o indivíduo, substância única e indivisível, da espécie humana» (Patrão Neves, o, c., p.176)
«O sémen toma forma, gradualmente, no útero; não há homocídio, enquanto os diversos elementos não forem visíveis e dotados dos seus membros» (São Jerónimo, carta 121, 4).
5. «… Pode pensar-se que o feto ainda não está formado, que não tem alma e que, por esta razão, não há homicídio, pois não pode dizer-se que se possa privar alguém de uma alma que ainda não tenha recebido… Se o embrião ainda não é formado e se tiver, mesmo assim, de alguma maneira, uma alma, a lei não diz que o acto seja de natureza homicida, pois não pode dizer-se que ele tenha uma alma vivente no seu corpo, desprovido de sensação, se a sua carne ainda não está formada e, portanto, não goza ainda de sensação (Acerca de Êxodo 21, 80, citado por J. T. Noonan “Contraception et Mariage”, cerf, p, 120). «A forma substancial dos viventes, chamada alma, requer uma certa disposição orgânica…»;
6. «A alma humana… é criada por Deus e infundida no corpo,desde o momento em que está suficientemente preparado»; « A alma humana une-se de tal modo ao corpo que…por ela tem o homem o ser de homem, de animal e de vivente» (Teses tomistas, 13, 15 e 16, aprovadas pelo papa São Pio X. 1914, Denz. 3613, 3615 e 3616).
«Também das definições dogmáticas da Igreja não se pode deduzir que se oponha à fé supor que a passagem para a pessoa-espírito se realiza, apenas, no decurso do desenvolvimento do embrião. Nenhum teólogo poderá afirmar que pode apresentar provas de que a interrupção da gravidez constitui um homicídio, em todos os casos» (KARJ RAHNER, Dokumente der Paulusgesellschft, vol. 2, 1962,p´g. 391, s., citado por Uta Ranke-Heinemann, in “Eunucos pelo Reino dos Céus”, ed. Trotta, Madrd, 1994, pág. 279)
7. COMEÇO DA PERSONALIDADE. CÒDIGO CIVIL PORTUGUÊS: «Artigo 66º -1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida. 2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento» (Direitos sem sujeito (Mota Pinto).

Aqui fica a destruição completa do “direito” da vida humana inviolável, com que o Padre Dr João Teixeira pensava contar.
8. Mas não fica melhor com o fundamento que pensa ter na Medicina.
Tenho à minha frente cinco autores que se enquadram neste capítulo. São eles, J. T. Noonan, já referido acima; René Frydman, “Dieu, la Médecine et l’Embryon”, ed. Odile Jacob, nouvelle edition, 1999; Michel Meslin, já referido acima; Carlos Domínguez Morano, jesuíta, “Experincia cristã e Psicoanálise”, ed. Sal Terrae, Santander, 2006; M. Patão Neves. Já referido acima.
9. Como todos eles concordam no fundamental, como especialistas que são: médicos, ginecologistas, biólogos, psicólogos e filósofos, recolherei os dados do último.
«É indiscutível que existe uma nova forma de vida, desde a fecundação do óvulo (mas não uma vida de natureza nova) que é de tipo diferente da dos gâmetas de que proveio e cuja identidade genética a define como sendo da espécie humana» (p. 175).
«A id0entidade genética (biológica) não é mais imediatamente reconhecida como suficiente para definir o Homem na sua natureza específica. Ou seja, a humanidade do homem… não é revelada por nenhum índice biológico, mas antes se apoia sobre bases dogmáticas (religiosas) ou apela a uma fundamentação filosófica» (p. 175-176).
«A noção “vida humana” é definida pela biologia como uma identidade genética da espécie humana. Porém, só a filosofia poderá elucidar-nos quanto à natureza, sentido e alcance de “ser humano” e de “pessoa”…Pelo que reservamos a designação de “ser humano”para a nova forma de vida ou entidade ontológica que resulta da individuação embrionária» (p. 176).
9. Resumimos. O processo de fecundação leva 12 a 24 horas; mais 24 horas para a fusão dos gâmetas, o zigoto. Cerca de 60 horas, depois, surgirá um cacho de oito células. Pelo 14º dia verifica-se a implantação no útero. Passamos do zigoto para o pré-embrião. Nesta fase, as células mantêm-se com a qualidade de toti-potentes (podem dividir-se) em dois ou mais indivíduos (gémeos verdadeiros). Até aí não havia um indivíduo. Temos o embrião. O embrião acomoda-se no útero e, lentamente vão surgindo «as mais importantes estruturas e órgãos e se completa por volta das oito semanas» (p. 177).
«Entre as oito e as doze semanas de gestação a integração do sistema nervoso atinge um nível de desenvolvimento apreciável» (p. 178).
«Passamos então a referir-nos ao feto» (ibid.).
«Por outro lado alguns estudos recentes sobre o zigoto e blastocisto estado apto para entrar no útero) têm defendido que as características biológicas do futuro adulto não estão determinadas aquando da concepção. O desenvolvimento do ser humano é determinado por moléculas codificadas genética e não geneticamente dentro do embrião, ao mesmo tempo que pela influência do ambiente materno. Neste caso, o ADN cromossomático do zigoto não é suficiente para determinar o carácter único do futuro indivíduo. Levanta-se, assim, a dúvida acerca do zigoto ser ou não o adulto em que o embrião se desemvolve» (ibid). «Só a partir da embriogénese se tornará lícito falar de um ser humano» (p. 179).

Até aqui, o Dr Patrão Neves, que, no fundamental está de acordo com os autores que deixamos referidos mais acima, embora fiquem de fora desse acordo pormenores interessantes no sentido de maior abertura e profundidade.
10. Antes de encerrar o meu raciocínio gostaria de deixar constância de dois princípios que destroem todas as certezas, criadoras de crucificações, de inquisições, de nazismos e fascismos, e geradores de muitas dúvidas, a neblina luminosa da humildade e da paz. São eles:
1) «A posse ad esse non valet illatio» ( de “poder vir a ser” nunca se segue o “ser”(axioma escolástico).
2) «Ora. Não é possível uma coisa estar em “acto” e “potência” ao mesmo tempo, sob o mesmo ponto de vista» (São Tomás de Aquino, ST I 2, 3).
11. Creio ter ficado bem provada a minha tese e, em consequência, evidenciada a falsidade da tese do Revmº Senhor Padre, Dr João António Pinheiro Teixeira.
-Nem para o Direito a vida humana é inviolável, pois o Direito contempla a vida pessoal e o embrião não é uma pessoa; nem para a Medicina a vida humana existe desde a concepção, como deixei, atrás, sobejas provas que, para além da respectiva força, brilham na escuridão da noite de prova séria nenhuma.
-Ter uma opinião é respeitável; não prová-la é pouquidade, preguiça ou incapacidade. Insistir e persistir é desonestidade, que ronda as fronteiras da mentira apologética e ideológica.
12. Apetece-me encerrar, por hoje, com palavras do Doutor Angélico (São Tomas de Aquino): «Eis o que escrevemos para destruir o erro em questão, não invocando os dogmas da fé, mas recorrendo aos raciocínios e aos ditos dos próprios filósofos. Se alguém, usando gloriosamente do falso nome de ciência quer dizer algo contra o que escrevemos, que não se exprima em cantos sombrios ou diante de crianças que não sabem julgar de matérias tão complexas. Mas responda a este escrito, se se atreve. Ele encontrará face a si, não apenas eu que sou o último de todos, mas muitos outros zeladores da verdade, que saberão resistir ao seu erro ou esclarecer a sua ignorância» (De unitate intellectus contra Averroistas, c. 5, par. 120).

O2.02.07. padre Manuel Augusto Coata Pinto
manaucopin@gmail.com
*/////////

«SIM»no referendo

NUNCA DIGAS SIM AO ABORTO, À PRIMEIRA!
SE A VIDA TE OBRIGAR AO ABORTO,
FÁ-LO LOGO QUE TE APERCEBAS DA GRAVIDEZ!
e, AGORA, VOTA «SIM» NO REFERENDO,
PARA QUE TAMBÉM OS POBRES, EM CASO DE NECESSIDADE,
POSSAM ABORTAR EM SEGURANÇA!

sexta-feira, janeiro 19, 2007

A DESPROPÓSITO DO ABORTO

O jornal «Notícias de Castro Daire», de 10 de Janeiro, 20007, pela pena do seu Director, advogado ilustre daquela praça, apresentou, com destaque desusado, um texto que nos deixou surpreendidos. Por três razões: (1) pela deficiência científica, que se compreende, pois, nem a sua profissão, nem, provavelmente, o tempo lhe permitem debruçar-se, pessoalmente, sobre estes temas; (2) total desfasamento
teológico, absolutamente, justificado; (3) análise jurídica desorientada, aplicada a uma reflexão acerca do referendo de 11 de Fevereiro, p. f., para despenalizar a interrupção voluntária da gravidez não desejada, dentro das primeiras dez semanas de gestação
Que o autor tome, livremente, a opção de votar “não” , porque entende, em consciência, de cidadão e católico, é um direito indiscutível e respeitável, como o nosso de votar “sim”.
Agora, mantendo, sempre, o indefectível respeito, pessoal e profissional do ilustre Autor, não podemos deixar de contestar a sua argumentação, inclusive, na sua especialidade. E por esta começaremos.
Alega o Autor que Código Civil (CC) estaria do lado da “vida humana” intra-uterina, que é essa a perspectiva em que se coloca, quando invoca a Constituição da República Portuguesa.
Os artigos do CC referentes aos nascituros regulamentam e integram o Direito das obrigações, e dos contratos especiais - doação e capacidade de dar e receber doações (artº 952º); no Direito da Família - Reconhecimento de paternidade, perfilhação de nascituro (artº 1855º, não 1885º); Direitos de sucessão, capacidade sucessória (artº 2033º, e não 2003º). Finalmente, a sucessão testamentária, a administração da herança do nascituro não concebido de pessoa viva a quem compete a administração (artº 2240º).
Como fica bem assente do texto dos artigos citados, os referidos comandos aplicam-se tanto aos nascituros concebidos como aos nascituros ainda não concebido, excepto no caso da perfilhação, que supõe, sempre a efectivação da concepção e isto, por natureza: não se pode ser pai, sem ter feito o filho. Só este facto irradia o direito de obrigações de nascituros, para fora da problemática da genética, da antropologia, da teologia e da filosofia, que envolve o complexo campo do estudo e discussão, em ordem ao próximo referendo. Mas, há mais. Em todos os artigos citados pelo ilustre Autor se exige a presença de pessoa determinada e viva, como sustém das obrigações estabelecidas, não se atribuindo ao nascituro qualquer autonomia jurídica. Porém, se, por hipótese, se pretendesse levantar qualquer dúvida, aí, temos o CC a desfazê-la, definitivamente. Com efeito, o artigo 66º, que. por ventura, passou desapercebido, diz o seguinte: «Começo da personalidade) 1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida. 2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento». (O sublinhado é nosso)..
A Ciência não se exprime em dogmas, mas em conclusões provisórias e operatórias, sempre abertas. A Biologia afirma que o zigoto contém o ADN. Contudo, a natureza e desenvolvimento do código genético continua em estudo. Afirma mais. O ser humano na progressiva e lenta formação, para além do ADN, conta com os elementos do seu meio ambiente, o ventre materno, cuja identificação e quantificação é, ainda indeterminada.
Não podemos nestas notas ir além de princípios gerais. Citaremos obras e autores científicos, de créditos firmados.
Estamos a falar da vida humana; do seu valor, dos seus direitos, E, porque não das suas limitações? Estamos entre criaturas, não entre deuses. Não somos Deus. Reparemos nisto: «Quem ama a sua vida (psikè), perdê-la-á; quem despreza a sua vida (psikè), neste mundo, guardá-la-á para a vida (zoè) eterna). Quem fala, assim, é Jesus pela boca do seu evangelista, João 12, 25, Até na língua somos pobres. Os Gregos tinham três palavras para exprimir os conceitos de vida: bios, psikè e zoè. João escreveu em grego. Vida física (bios), vida racional (psikè) e vida eterna (zoè); só esta é absoluta, imortal. A bios e a psikè podem morrer ou ter de morrer, para ganhar a zoè; esta nunca morre, é imortal. Falem os mártires e o próprio Jesus.
\No complexo problema de genética humana, estão em jogo muitas vidas (psikè): uma esperança de vida, no espermatozóide e no óvulo, no zigoto, no pré-embrião, no embrião, no feto, no recém-nascido; a vida da mãe, do pai, de eventuais irmãos. A vida humana de todos, até a vida do ser que vier a sair do ventre da mulher, para viver como independente. Todos em direcção à vida eterna (zoè). Todas estas vidas são interdependentes, solidárias, possivelmente, mártires. Só a “zoè” é a vida eterna, porque é a vida de Deus.
Do espermatozóide a do óvulo, ao zigoto, pré-embrião e embrião não temos mais que um pequeno aglomerado de células vivas e humanas, toti-potentes, que podem vir a ser um ser humano. Mas como «a posse ad esse non valet illatio» ( de poder ser, a ser, não há ligação possível). Tudo pode acontecer. Passaram catorze dias, desde o momento incerto da concepção, da singamia. Segue-se a implantação no útero. Nessa altura, ainda nem sequer se pode garantir a existência de um indivíduo, idêntico e diferente; na verdade pode ainda haver divisão desse pequeno aglomerado de células em dois indivíduos, idênticos e diferentes, um a um: dois indivíduos, o princípio de dois irmãos gémeos. Não haverá nunca uma pessoa sem indivíduo; mas podem haver indivíduos sem pessoa. E é que acontece, agora.
Entretanto, tem começado a desenhar-se o corpo humano, até que, por volta da duodécima semana de gestação o desenho ficará, essencialmente, completo, coroado com a rosa do córtex cerebral.
Chamemos-lhe, daqui em diante, feto humano. Para ser um ser humano, falta-lhe outro tanto do que tem. Falta-lhe que o Criador lhe infunda a alma racional e imortal, por Ele, directamente, criada, quando o corpo atingiu a perfeição adequada, para a poder receber. Duas partes substanciais: uma corporal, criada por dois seres humanos, e outra racional e espiritual, criada por Deus.
Confirme, por favor, em «Bioética», 1996, Dr M. Patrão Neves, cap. 6, ed. S. Paulo, Lisboa, coordenação de Luís Archer, S. J. «Se o ser humano se desenvolve numa dimensão psico-física, já a constituição da pessoa exige uma dimensão espiritual. Entendo por pessoa todo o ser humano capaz de consciência de si… Entre as oito e as doze semanas de gestação, a integração do sistema nervoso atinge um nível de desenvolvimento apreciável» (pp 176 e 178).
Estudemos, para saber. Pr René Frydman é genicólogo dos Hospitais de Paris e é o pai do primeiro “bebé-proveta”, francês, a Amendine, Tem renome internacional pelos seus estudos acerca da reprodução, medicamente, assistida (RMA). «Dieu, la Médecine et l’Embryon», ed. Odile Jacob, nouvelle édition, 1999.
Cita France Quéré, 1991: «Antes, o homem era visto na sua força e autonomia e não nestes nadas da sua génese… Construiu-se um humanismo à medida do Apolo de Belvédère e sobre o “cogito ergo sum” (penso logo existo) de Descartes. Mas o humanismo pode, também, erguer-se, a partir do corpo de dor e reflorir à luz duma visão ética… Hoje, perante os progressos atingidos pela Biologia, a filosofia descobre nova dimensão na pessoa que começa, potencialmente, muito antes da consciência de si…» . Dizemos nós: o filho começa no coração dos pais, quando eles programam, no seu amor, a futura geração e nascimento; quando, entra na trama maravilhosa do projecto parental, onde se desenham, desde logo, a protecção das sua debilidades, das suas indefinições, do seu palpitar, e os braços que o vão receber no dia do seu nascimento. «Este embrião é sagrado; mas meia dúzia de blastómeros» detestados nunca desejados pelo homem e pela mulher que lhes deram origem, sem pensar, sem querer sem se aperceber, com rejeição prévia consciente, «sem desejo parental, não constituem um projecto de vida humana. São dignos de algum respeito, por aquilo que poderiam vir a ser, se tivessem sido amados por aquele desejo» (p. 77)
«Após a implantação no útero, as células começam a diferenciar-se. Mas, até ao décimo quarto dia o embrião pode dividir-se e dar origem a dois indivíduos (gémeos) (p. 225).
Fica bem deixarmos aqui o testemunho de Carlos Domingues Morano, jesuíta, psico-terapeuta, professor de Psicologia da Religião, na Faculdade de Teologia de Granada (Espanha). «… o desejo apresenta-se como a mãe da fé. Não só, porque o desejo esteve presente, duma forma ou de outra, na nossa concepção e vinda ao mundo. Mas também e de forma mais importante ainda, porque o desejo, no sua amplitude, mantém-se, ao longo de todas as transformações da procriação, esteve ali, para nos acolher, na hora da nossa vinda à luz e receber-nos nos braços que iriam configurar, de forma fundamental, a nossa relação com a vida e o mundo» (p. 203); «Experiência Cristiana y Psicoanálisis», ed. Sal Terrae, Santander, 2006.
«A partir de quando, ou mais precisamente, em que fase da gestação, faz Deus a sua aliança com este ser da espécie humana?... A partir de quando ele se converte num ser formado à imagem de Deus. Sabemos que o Magistério católico se tem recusado a dirimir o debate entre os que defendem a coincidência entre animação e concepção (criacionistas) e os que defendem a animação adiada (teólogos e epigenistas. «Les Religions, la Médecine et l’Origine de la Vie», Michel Meslin, Alain Proust, Ysé Tardan-Masquelier, ed. Odile Jacob, 2001 (p. 58).
Todo o aborto é interrupção duma gravidez ; mas nem sempre a interrupção da gravidez é um aborto. Eliminar espermatozóides e óvulos, é eliminar vida humana e não é um aborto
Neste quadro científico entra, harmoniosamente, a pincelada teológica. Ora. Vejamos, então.
São Gregório de Niza (329-390.e.c.), diz : « Não se pode chamar homem ao embrião, dado o seu estado imperfeito; na verdade, nesse estado não passa de uma coisa virtual que, após o devido aperfeiçoamento, poderá atingir a existência de homem; porém, enquanto se encontra nesse estado de inacabado, é qualquer outra coisa» (Contra Macedónios).
Santo Agostinho(354-430, e.c.) , Quanto às obras de Agostinho … « se alguém ousar discutir o respectivo texto ou um só til e não as receber na totalidade, com veneração, seja excomungado» (papa São Gelásio I (492-496, e.c.); pois este Santo Agostinho defendia, seguindo Aristóteles, a formação do ser humana entre os quarente e oitenta dias de gestação, a chamada “animação diferida”.
São Tomás de Aquino (1225-1274), «o príncipe angélico das escolas e doutor da Igreja (papa Bento XIV (1740-1758), adoptou a doutrina de Santo Agostinho, que, em 1914 o papa São Pio X, aprovou, nestes termos: « Tese 13: A forma substancial dos viventes, chamada alma, requer certa disposição orgânica, ou seja, partes heterogénias, para que haja, no mesmo sujeito, uma parte essencialmente movente outra movida. Tese 15: A alma humana subsiste por si mesma, é criada por Deus e infundida no corpo, desde o momento, em que está suficientemente preparado… Tese 16: A alma humana une-se, de tal modo, ao corpo que, por ela, tem o homem o ser de homem, de animal e de vivente» (Denz. 3613, 3615, 3616).
O Magistério da Igreja não está em oposição a esta doutrina, embora alguns, mais “papistas” que o Papa, intentem fazê-lo crer.
Esta síntese, necessariamente, incompleta dá para entender que aborto é a expulsão de um ser humano. Que um ser humana é constituído por duas partes substanciais: o corpo e a alma. Que a alma, segundo a opinião dos grandes teólogos da Tradição é criada e infundida por Deus, quando o corpo está preparado para a receber. O corpo está preparado, depois de quarenta (feminino)-oitenta (masculino) dias de gestação. Tradição e ciência estão, essencialmente, de acordo. Logo, só haverá aborto, propriamente dito, a partir de cerca das doze semanas de gestação, se estiverem presentes as demais condições científicas, psíquicas, etc.
Isto não quer dizer que nesse lapso de tempo essa vida humana, sempre relativa, no seu contexto vital e social, não deva ser respeitada, por se tratar da matéria (matéria prima), donde pode vir a surgir um ser humano. Tal como o pão e o vinho ao lado do altar, são dignos de ser tratados com respeito, pelo fim a que destinam : ao corpo e sangue de Jesus. Mas não comete sacrilégio quem, desleixadamente, trata com menos respeito a matéria do Sacramento.
Quem votar não, vão, infelizmente, impedir o aborto, vai votar a favor do castigo da abortiva, o que se não conforma com o Evangelho (João 8, 3-11), e, mais trágico, ainda, vão fomentar o infanticídio das mulheres que, por medo ou por pobreza, aguardam a hora do parto, para, sem perigo, se desfazerem do feto, cujo cadáver deitarão no lixo ou na sarjeta
Como vemos, quem quiser ver, só esses é que verão, não é tão líquida, como pretendem. a bondade do «não».

19.01.2007
Augusto Montemuro
manaucopin@gmail,com
Telem. 936396224